Os
sacrifícios que os pais fazem por seus filhos são um testemunho que
nunca será esquecido, mesmo que negado em um momento de rebeldia
Escrevi sobre a importância dos filhos receberem um testemunho adequado
dos pais, argumentando que a força desse testemunho seria maior que as
influências recebidas do ambiente e dos meios de comunicação.
Fui
questionado sobre o que seria esse “testemunho adequado”, que para
alguns pareceu um conceito demasiadamente vago. De fato, existem muitas
formas de se testemunhar, com efeitos diferentes dependendo tanto da
pessoa que dá o testemunho quanto daquela que o recebe. Seria inadequado
querer fazer um “manual do testemunho cristão”. Além disso, o
testemunho não pode ser simulado, seguindo um plano para impactar o
outro. Tem que nascer naturalmente, a partir da conduta que brota do
íntimo de nosso coração.
Dito isso, sem desejar querer
fazer um esquema, traço algumas características que, ao longo dos anos,
tenho encontrado nas pessoas e encontros que me parecem ser testemunhos
mais impactantes, no bom sentido, e adequados às pessoas. Insisto que
não se trata de um esquema ou de uma “fórmula” a ser seguida, apenas a
constatação de algumas evidências. É
bom também esclarecer que essa reflexão vale para pais,
mães e todos aqueles que se sentem chamados a dar um testemunho cristão.
Testemunhar a ação de um Outro
É
comum que pais, professores e líderes queiram demonstrar a sua potência
e coerência, mostrar o quanto são bons. É uma aspiração natural, que
pode nascer de um justo desejo de se mostrar correto e confiável para
aqueles que amamos ou de um não tão justo desejo de ser seguido e
obedecido pelos demais.
Mas a primeira característica importante
do testemunho cristão é justamente que retrata a ação de um Outro, não a
nossa. É Deus quem age, ainda que por meio de nós e com a nossa
colaboração. Isso faz toda a diferença. Se nossos pais são muito bons e
muito fortes, sentimos a obrigação moral de sermos como eles. Quando nos
percebemos ajudados e somos bem-sucedidos, essa obrigação moral conta
como um grande incentivo. Mas, quando falhamos – e todos nós falhamos em
algum momento – essa obrigação parece um peso a mais para ser
carregado, um fardo e não um apoio. É uma experiência diferente daquela
que transmitimos ao testemunhar que é Deus quem faz, por nós e em nós.
Nesse caso, a alegria não deixa de existir no momento da coerência e do
sucesso, mas existe uma possibilidade de ternura e amparo também na
fraqueza. É uma vivência que suscita muito mais afeto e paz.
Em
segundo lugar, esse testemunho refere-se a uma vida plena de sabor e de
sentido. De que vale viver com responsabilidade, seguindo o que há de
mais nobre na natureza humana, fazendo o bem aos demais, se a vida não
tem sabor, é cinzenta e opaca, esmagada pelo peso dos acontecimentos?
Muitas vezes é assim que os filhos veem a seus pais. Podem até se sentir
imensamente gratos a eles por seus sacrifícios, mas não querem viver
como eles.
É particularmente nessa brecha, a da aparente falta de
sentido e sabor na vida e nos ensinamentos dos pais, que se infiltra
aquilo que chamamos de “más influências”. Se a vida dos pais não vale a
pena, parece justo procurar outros atrativos que ajudem a ser alegre, a
obter a felicidade pela qual todo ser humano anseia. Nesse caso, não são
os maus exemplos que são fortes, é o nosso exemplo de beleza que é
fraco. E o bem e a verdade não conseguem se firmar se não estão
iluminados pela beleza…
A semente de felicidade
É
importante que os jovens recebam testemunhos tanto de coerência,
compromisso com o que é bom e justo, quanto de felicidade, alegria de
viver. Mas o primeiro testemunho é o da felicidade, pois quem é infeliz
dificilmente poderá levar a felicidade a outros. Fique claro que a
felicidade não equivale à satisfação de nossas vontades, lição difícil
de ser aprendida por todos, ainda mais nesses tempos de hoje. Além
disso, os sofrimentos da vida podem embaciar o brilho da felicidade, não
seria justo ocultar essa verdade.
A questão é que, para os
cristãos, a felicidade não se identifica com a simples satisfação das
vontades ou ausência de sofrimentos. Somos felizes porque fazemos a
experiência de sermos amados que preenche a realidade de sentido e a
vida de sabor. E é por isso que também somos capazes de amar. Esse
sentido e esse sabor não anulam a dureza da vida, mas nos permitem
conhecer pelo menos uma semente de felicidade que tende a se expandir
por toda a existência. É essa semente, grande ou pequena, depende das
condições e da liberdade humana, que – com a graça de Deus – semeamos
nos jovens com o nosso testemunho.
A coerência que importa
A
coerência também é muito importante nesse testemunho. Contudo, a
coerência que importa não é a do seguimento a regras e normas sociais,
ou do esforço pessoal para chegar ao sucesso. A coerência que realmente
importa é aquela do amor. Os cristãos anunciam o amor de Cristo, é
fundamental que os jovens vejam nos adultos cristãos pessoas que agem
segundo esse amor.
Amar também pode significar corrigir e exortar
ao bem – e novamente falamos de coisas difíceis de serem compreendidas à
luz da mentalidade dominante. Mas aqui não se trata de fazer discursos
moralizantes, mas de ser capaz de sacrifícios e ternura diante do outro,
daquele que amamos e daquele que vemos sofrendo – e daí tirar as
consequências morais justas. Jesus diz que não há mérito em amarmos só
os que nos amam (Mt 5, 38-48). Do mesmo modo, nosso testemunho cristão
não parece verossímil se a correção ou o anúncio dos valores não vem
antecedido por provas de amor e ternura.
Os sacrifícios que os
pais fazem por seus filhos são um testemunho que nunca será esquecido,
mesmo que negado em um momento de rebeldia. Para os filhos, a
solidariedade que os pais prestam ao que sofre orienta toda uma vida
voltada ao bem. Por outro lado, a intransigência, a norma proposta sem a
devida ternura, a condenação que não aceita reconciliação, até o bem
vivido como formalismo se tornam dúvidas e suspeitas que corroem a
mensagem cristã e a formação humana, moral e espiritual, dos jovens.
O testemunho não pode ser fingido
Nos
preocupamo-nos muito com a formação de nossos filhos, com as lições que
transmitimos a eles, com a coerência moral que demonstramos. Contudo,
nosso único grande desafio é aderir sempre mais a Cristo, deixarmo-nos
determinar pelo Seu amor por nós… E, no devido tempo, respeitando a
liberdade humana, tudo mais nos será acrescentado (cf. Lc 12, 29-34) –
inclusive o testemunho que daremos a nossos filhos.
Francisco Borba Ribeiro Neto