terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Sede firmes e inabaláveis!



Quando se olha um curso de água caudaloso, ou um regato acanhado, primeiro os olhos acompanham a beleza do movimento dessa água que desliza de um destino para outro sem possibilidade de voltar, de parar, de resistir. Ela simplesmente vai...

Vai solta no agregado das gotas, segue seu destino sem escolha, sem identidade, apenas vai...

Aí se vê uma vegetação aquática que brotou no leito desse rio ou regato, e cujas folhas deixam-se bailar no movimento da água que circula sem parar. É uma folhinha, um ramo de planta que fica dançando conforme o passar daquela água, mas que não sai do lugar, resiste ao curso d'água.

Isso é bonito, isso comove! Mas por trás desse encanto existe o esforço do caule e da raiz que incessantemente mantem a fixação dessa dançarina no lugar. Lá na superfície das águas que vão, a plantinha movimenta-se graciosa, mas embaixo os outros agarram-se ao chão para não perderem a vida, a estrutura.

Assim deve ser um alicerce espiritual, assim deve ser uma alma que precisa resistir ao constante curso e movimento dos acontecimentos da vida e da história, sempre maleável ao movimento, mas fincado na estrutura, na raiz da sua crença, de sua fé.

E para que isso ocorra é preciso existir um porquê e um para quê existir. Perguntas que acompanham o homem desde sempre e para sempre. À despeito dos acessórios da vida: corpo, ambiente, família, formação cultural, trabalho, idade, gênero, tudo isso vai sendo levado no curso do tempo que não conhece repouso. Ele é só movimento, ele é fugaz.

E eu e você também o somos, e tudo passa. Vou deixar uma marca? Vou ser lembrado? Preocupação tão exacerbada de nosso tempo... Coisa que as mídias criaram, e estimulam de uma forma enlouquecida.

Acontece que não existe uma preocupação com o amanhã eterno, com o que virá depois que minha raiz, cansada de prender-se a esse mundo, desligar-se da terra. O que fui, o sucesso que fiz, não serão mais importantes. O que vai contar pra valer é se fiz a diferença nesse tempo que estive aqui. A diferença para alguém, para muitos, e para o bem, claro!

No anonimato e fugacidade de minha passagem posso estar fixo no bem, no amor, na partilha, na fraternidade, à favor da vida, à favor da verdade do que é justo e por isso mesmo, no que pode ser transparente.

E para ser assim preciso ser firme e inabalável naquilo que não passa. E só Deus não passa, só Ele rege o cosmos, o tempo, a vida. Só Ele pode manter-me fixo, quando tudo escorre e segue sem direção e sem forma, apenas agregado à multidão dos que não sabem o porquê e o para quê vão.

"Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-se cada vez mais na obra do Senhor, certos de que vossas fadigas não são em vão no Senhor". (1 Cor 15,58)

Malu e Eduardo Burin - ISF







quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Dom Martin: vítimas de abusos merecem todo o nosso respeito

Dom Eamon Martin
Às vésperas da participação no Encontro sobre a Proteção dos menores no Vaticano, que começa nesta quinta-feira, o presidente dos bispos da Irlanda escreve uma carta comovente às vítimas de abusos pedindo perdão".
 
Alessandro De Carolis, Silvonei José - Cidade do Vaticano
"O abuso partiu seu coração" e quando "você queria ser apoiado e acreditado pela Igreja", a Igreja falhou "em entender e fazer o que era certo". O líder da Igreja irlandesa, arcebispo de Armagh, Dom Eamon Martin, não se esconde atrás das palavras: antes de partir para Roma para participar do Encontro sobre a Proteção dos menores no Vaticano, quis escrever uma intensa mensagem de proximidade e solidariedade aos "irmãos e irmãs que sobreviveram aos abusos".

Muitas falências  


O prelado, que teve conversas com algumas vítimas nas últimas semanas, relata sua dor em ter ouvido como, - escreve -, "vocês foram feridos e violados e como suas jovens vidas foram transformadas em um pesadelo por pessoas que traíram a sagrada confiança que vocês e suas famílias depositaram neles". A carta de Dom Martin é um exame de consciência e participação no sentimento de traição experimentado pelos abusados em nível "espiritual, emocional, mental e físico". "Às vezes - reconhece -, não se podia dizer nada a ninguém por anos. E então - quando tudo o que você queria era ser acreditado e apoiado pela Igreja, e seu violador tinha que ser impedido de prejudicar outros - havia muitos fracassos no ouvir, entender e fazer o que era certo”. "Suas jovens vidas foram transformadas em um pesadelo por pessoas que traíram a sagrada confiança que vocês e suas famílias depositaram nelas”.

Completa transparência

Os novos escândalos reabrem as feridas e isso, continua Dom Martin, "faz você sentir que a Igreja ainda não aprendeu ou entendeu completamente". Precisamente a Igreja Irlandesa está entre as mais feridas pelo drama de abusos cometidos pelo clero, um caminho de purificação e renascimento que vem acontecendo desde os anos noventa. Agora, o Encontro no Vaticano sobre a proteção dos menores, que começa nesta quinta-feira, é um momento de mais ampla reflexão colegial e Dom Martin se faz intérprete das expectativas de cada vítima sobre esse evento. "Certamente cada vítima - observa o arcebispo de Armagh -, pede transparência completa e cooperação tempestiva com a polícia e autoridades estatais". Aguarda "esforços concretos para proteger as crianças". Que se continue a "envolver plenamente mulheres e leigos na decisão e supervisão das melhores práticas", no signo da "justiça e da responsabilidade".

Vocês merecem ser acreditados e amados

O encerramento da mensagem quer ser como uma carícia. "Ao viajar para Roma - conclui Dom Martin -, eu percebo que você é um membro precioso do Corpo de Cristo; você sempre foi e sempre será. Você merece ser acreditado, amado e amado, não isolado ou visto como uma ameaça. Eu sei que nada do que eu digo pode cancelar o terrível mal que você sofreu”. Meu compromisso, assegura o bispo, é "mais uma vez fazer todo o possível para garantir que as atividades da Igreja sejam tão seguras quanto possível para as crianças e para as pessoas vulneráveis. Você sempre estará em meus pensamentos e orações ".

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Maria e os "influenciadores" ocultos que mudam a história

 Papa diante da imagem de Nossa Senhora de Fátima

Na vigília com os jovens da JMJ, o Papa Francisco usa a linguagem das mídias sociais para descrever o papel da Mãe de Jesus.

Francisco não usa computador ou celular, mas muitas vezes quando fala com os jovens, procura anunciar o Evangelho usando a linguagem dos nativos digitais. Este foi o caso durante a Vigília da Jornada Mundial da Juventude no Panamá, no Metro Park, diante de mais de meio milhão de jovens. O Papa explicou que a vida dada por Cristo àqueles que o seguem não é uma salvação pendurada em uma nuvem, nem um aplicativo a ser baixado. Ele recordou que a encarnação, portanto, a redenção, se tornou possível pelo "sim" de uma jovem de Nazaré, que “não aparecia nas "redes sociais" de então, não era uma "influencer" mas, sem querer nem procurá-lo, tornou-Se a mulher que maior influência teve na história”. Maria, a "influencer" de Deus, definiu-a Francisco. Uma jovem que com poucas palavras soube dizer "sim" e confiar nas promessas de Deus, "a única força capaz de fazer novas todas as coisas".
 
Manifesta-se assim, mais uma vez, a total reviravolta das lógicas humanas e mundanas. Deus, Todo-Poderoso, que se fez pequeno como uma criança completamente necessitado de tudo, dos cuidados de um pai e de uma mãe como cada um de nós. Manifestou-se na humildade e de modo escondido, longe dos radares da história, numa parte periférica do império romano. Deus se encarnou graças a uma jovem nascida e crescida em uma pequena aldeia, longe dos fluxos da grande história. E sem querer ou procurar por isso, Ela que não era uma “influencer” influenciou a história humana como nenhuma outra criatura fez e fará. É a extraordinária grandeza daqueles que são pequenos, o poder daqueles que são fracos e frágeis. Na imagem de Maria, influenciadora sem nunca ter procurado, encerra-se um precioso ensinamento para o nosso tempo, doente de virtualidade, protagonismo, desejo de aparecer. Quem realmente influencia a história é aquele que acolhe e guarda o Evangelho e, ao se esconder, o faz crescer, consciente de sua pequenez e de ser pecador, e confiando apenas na ajuda da graça de Deus.

Como Maria, os influenciadores da história são aqueles pais e mães de família que, com seu testemunho diário transmitiram a fé cristã aos seus filhos e seus vizinhos. São aqueles jovens que se gastam gratuitamente, mostrando compaixão e proximidade aos últimos e aos descartados. São aqueles padres que passam horas no confessionário, acolhendo e derramando o bálsamo da misericórdia sobre as feridas e sobre os drama de muitos homens e mulheres do nosso tempo. Existe um balanço da história da Igreja que jamais poderá ser feito, porque nunca poderemos saber quantos dramas foram evitados, quanta violência foi evitada, quantas fraturas foram recompostas, quantas vidas salvadas, graças aos humildes influenciadores de Deus que mudam a história sem se colocar-se em evidenciar, considerando-se servos inúteis. Dispostos até mesmo a derramar seu sangue em seu "sim" a Deus, como fez Oscar Romero. O sangue dele estava presente no palco da Vigília no Metro Park em um pedaço da camisa que ele usava quando foi assassinado quando celebrava a Missa.

Andrea Tornielli