terça-feira, 28 de setembro de 2021

Nós e a cultura do ressentimento

 DIÁLOGO É A PALAVRA DE ORDEM - Feedback Manager Blog

 Os cristãos sempre foram vítimas do poder, da arrogância e da mentir

Não há quem, na vida, nunca tenha se sentido injustiçado. Todos sofremos com pequenas ou grandes injustiças. Se olharmos para os que estão pior, vítimas inocentes de situações que não criaram para si, como os escravos negros do passado, os cristãos ainda hoje perseguidos até a morte em muitos países só por professarem a sua fé, as etnias vítimas de genocídio ou mesmo as crianças mais pobres em nossa sociedade, nos consideraremos afortunados por nossos padecimentos não serem como os deles. Mas, se olharmos para o mundo ideal pelo qual aspiramos, pela dignidade que sabemos ser inerente a todo ser humano, também as injustiças que sofremos ou presenciamos diretamente, sejam grandes ou pequenas, se tornam inadmissíveis.

Frequentemente essa situação gera, em nós, sentimentos de frustração e ira, explorados pelos formadores de opinião, gerando o que poderíamos chamar de uma “cultura do ressentimento”, um modo de julgar o mundo que não nasce do amor cristão que gostaríamos de viver, mas de um lamento raivoso que nos afasta de Cristo. É impressionante como essa mentalidade afeta até mesmo cristãos que são referência por sua erudição ou sabedoria.

A raiva nos afasta de Cristo e da verdade

A cultura do ressentimento oferece a raiva e o conflito, não o amor e a reconciliação. Basta ver as espirais de discursos cada vez mais agressivos e extremistas que inundam nossas redes sociais. A própria verdade, que se desejava defender no início, acaba sendo sacrificada por uma ideologia de pós-verdade: se os outros mentem, nós também podemos “carregar as tintas” para mostrar que estamos certos. Assim, acabamos nos tornando tão mentirosos quanto os outros.

Superar o ressentimento com propostas construtivas

Procurar culpados têm sua razão de ser, mas não é o melhor caminho para superar as dificuldades. A pergunta justa é “o que está de fato ocorrendo para que este mal aconteça?”. Os discursos ideológicos se valem de problemas reais, já existentes, para se afirmarem. Enfrentar ideologias sem atacar suas origens concretas equivale a “enxugar gelo”. As ideologias e os erros continuam a aparecer, por mais que os combatamos, se não enfrentamos esses problemas reais dos quais se alimentam.

Os cristãos sempre foram vítimas do poder, da arrogância e da mentira. Mesmo no mais cristão dos mundos, os santos sofreram nas mãos dos maus cristãos. Não podemos, por causa disso, nos igualarmos aos que desejam nos cancelar e até perseguir. Nessa luta, pois não deixa de ser uma batalha cultural, teremos perdido não só o confronto, mas também nossa própria alma, se passarmos a nos comportar a partir do ressentimento e não do amor cristão. 

Na mais antiga obra apologética cristã, a Carta a Diogneto, escrita ainda no tempo em que os cristãos eram martirizados e mortos nas arenas romanas, está escrito: “Assim como a alma está no corpo, assim estão os cristãos no mundo […] A alma ama a carne e os membros que a odeiam; também os cristãos amam aqueles que os odeiam […] Tal é o posto que Deus lhes determinou, e não lhes é lícito dele desertar”. Os cristãos não nasceram para o gueto do ressentimento, mas para o espaço sem fronteiras do amor.

Francisco Borba Ribeiro Neto 

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Texto inédito de Bento XVI aborda matrimônio homossexual, contracepção, eutanásia

 

 Prefaciado pelo Papa Francisco o livro “La Vera Europa, identità e missione” de autoria de Bento XVI traz texto que aborda temas da atualidade.

Vaticano  (sexta-feira 17/09/2021 07:30, Gaudium Press) Foi lançado ontem, 16, pela Edições Cantagalli o terceiro volume de um projeto editorial que reúne textos de Bento XVI, enquanto Cardeal e Pontífice.

Com o título “A Verdadeira Europa, identidade e missão” (La Vera Europa, identità e missione, do original italiano) o livro traz um texto introdutório inédito de Bento XVI que aborda temas que estão em voga na política europeia e no mundo em geral.

Entre os assuntos estão: as uniões homossexuais, pílula contraceptiva, a fertilização artificial e a eutanásia.

Homossexualidade, contracepção, aborto e eutanásia

O Papa emérito afirma que o matrimônio homossexual é uma contradição com as culturas da humanidades, que nunca questionaram o fato de que o homem e a mulher estavam ordenados para a procriação.

Segundo ele, essa ideia foi perturbada com a chegada da pílula contraceptiva que tornou possível a separação entre fecundidade e sexualidade. A partir de então todas as formas de sexualidade tornaram-se equivalentes.

Bento XVI usa o mesmo raciocínio para concluir o inverso “a fecundidade pode naturalmente ser pensada sem a sexualidade”.  Assim o homem não é mais um “dom”, mas um “produto planejado”.

Ora, “o que pode ser fabricado pode igualmente ser destruído” previne o Papa emérito que se preocupa com a tendência crescente à eutanásia.

Prefácio do Papa Francisco

O Papa Francisco que prefacia o livro afirma “estar contente” por apresentar a obra e lamenta junto com seu predecessor que na Europa se perde cada vez mais o respeito pela vida humana.

Francisco elogia Bento XVI que nunca temeu “denunciar com muita coragem e clarividência as numerosas manifestações da renúncia dramática face à ideia de Criação, até as consequências atuais mais recentes”. (FM)

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Os pais e a dinâmica do testemunho

Os sacrifícios que os pais fazem por seus filhos são um testemunho que nunca será esquecido, mesmo que negado em um momento de rebeldia

Escrevi sobre a importância dos filhos receberem um testemunho adequado dos pais, argumentando que a força desse testemunho seria maior que as influências recebidas do ambiente e dos meios de comunicação.

Fui questionado sobre o que seria esse “testemunho adequado”, que para alguns pareceu um conceito demasiadamente vago. De fato, existem muitas formas de se testemunhar, com efeitos diferentes dependendo tanto da pessoa que dá o testemunho quanto daquela que o recebe. Seria inadequado querer fazer um “manual do testemunho cristão”. Além disso, o testemunho não pode ser simulado, seguindo um plano para impactar o outro. Tem que nascer naturalmente, a partir da conduta que brota do íntimo de nosso coração.

Dito isso, sem desejar querer fazer um esquema, traço algumas características que, ao longo dos anos, tenho encontrado nas pessoas e encontros que me parecem ser testemunhos mais impactantes, no bom sentido, e adequados às pessoas. Insisto que não se trata de um esquema ou de uma “fórmula” a ser seguida, apenas a constatação de algumas evidências.  É
bom também esclarecer que essa reflexão vale para pais, mães e todos aqueles que se sentem chamados a dar um testemunho cristão.

Testemunhar a ação de um Outro

É comum que pais, professores e líderes queiram demonstrar a sua potência e coerência, mostrar o quanto são bons. É uma aspiração natural, que pode nascer de um justo desejo de se mostrar correto e confiável para aqueles que amamos ou de um não tão justo desejo de ser seguido e obedecido pelos demais.

Mas a primeira característica importante do testemunho cristão é justamente que retrata a ação de um Outro, não a nossa. É Deus quem age, ainda que por meio de nós e com a nossa colaboração. Isso faz toda a diferença. Se nossos pais são muito bons e muito fortes, sentimos a obrigação moral de sermos como eles. Quando nos percebemos ajudados e somos bem-sucedidos, essa obrigação moral conta como um grande incentivo. Mas, quando falhamos – e todos nós falhamos em algum momento – essa obrigação parece um peso a mais para ser carregado, um fardo e não um apoio. É uma experiência diferente daquela que transmitimos ao testemunhar que é Deus quem faz, por nós e em nós. Nesse caso, a alegria não deixa de existir no momento da coerência e do sucesso, mas existe uma possibilidade de ternura e amparo também na fraqueza. É uma vivência que suscita muito mais afeto e paz.

Em segundo lugar, esse testemunho refere-se a uma vida plena de sabor e de sentido. De que vale viver com responsabilidade, seguindo o que há de mais nobre na natureza humana, fazendo o bem aos demais, se a vida não tem sabor, é cinzenta e opaca, esmagada pelo peso dos acontecimentos? Muitas vezes é assim que os filhos veem a seus pais. Podem até se sentir imensamente gratos a eles por seus sacrifícios, mas não querem viver como eles.

É particularmente nessa brecha, a da aparente falta de sentido e sabor na vida e nos ensinamentos dos pais, que se infiltra aquilo que chamamos de “más influências”. Se a vida dos pais não vale a pena, parece justo procurar outros atrativos que ajudem a ser alegre, a obter a felicidade pela qual todo ser humano anseia. Nesse caso, não são os maus exemplos que são fortes, é o nosso exemplo de beleza que é fraco. E o bem e a verdade não conseguem se firmar se não estão iluminados pela beleza…

A semente de felicidade

É importante que os jovens recebam testemunhos tanto de coerência, compromisso com o que é bom e justo, quanto de felicidade, alegria de viver. Mas o primeiro testemunho é o da felicidade, pois quem é infeliz dificilmente poderá levar a felicidade a outros. Fique claro que a felicidade não equivale à satisfação de nossas vontades, lição difícil de ser aprendida por todos, ainda mais nesses tempos de hoje. Além disso, os sofrimentos da vida podem embaciar o brilho da felicidade, não seria justo ocultar essa verdade.

A questão é que, para os cristãos, a felicidade não se identifica com a simples satisfação das vontades ou ausência de sofrimentos. Somos felizes porque fazemos a experiência de sermos amados que preenche a realidade de sentido e a vida de sabor. E é por isso que também somos capazes de amar. Esse sentido e esse sabor não anulam a dureza da vida, mas nos permitem conhecer pelo menos uma semente de felicidade que tende a se expandir por toda a existência. É essa semente, grande ou pequena, depende das condições e da liberdade humana, que – com a graça de Deus – semeamos nos jovens com o nosso testemunho.

A coerência que importa

A coerência também é muito importante nesse testemunho. Contudo, a coerência que importa não é a do seguimento a regras e normas sociais, ou do esforço pessoal para chegar ao sucesso. A coerência que realmente importa é aquela do amor. Os cristãos anunciam o amor de Cristo, é fundamental que os jovens vejam nos adultos cristãos pessoas que agem segundo esse amor.

Amar também pode significar corrigir e exortar ao bem – e novamente falamos de coisas difíceis de serem compreendidas à luz da mentalidade dominante. Mas aqui não se trata de fazer discursos moralizantes, mas de ser capaz de sacrifícios e ternura diante do outro, daquele que amamos e daquele que vemos sofrendo – e daí tirar as consequências morais justas. Jesus diz que não há mérito em amarmos só os que nos amam (Mt 5, 38-48). Do mesmo modo, nosso testemunho cristão não parece verossímil se a correção ou o anúncio dos valores não vem antecedido por provas de amor e ternura.

Os sacrifícios que os pais fazem por seus filhos são um testemunho que nunca será esquecido, mesmo que negado em um momento de rebeldia. Para os filhos, a solidariedade que os pais prestam ao que sofre orienta toda uma vida voltada ao bem. Por outro lado, a intransigência, a norma proposta sem a devida ternura, a condenação que não aceita reconciliação, até o bem vivido como formalismo se tornam dúvidas e suspeitas que corroem a mensagem cristã e a formação humana, moral e espiritual, dos jovens.

O testemunho não pode ser fingido

Nos preocupamo-nos muito com a formação de nossos filhos, com as lições que transmitimos a eles, com a coerência moral que demonstramos. Contudo, nosso único grande desafio é aderir sempre mais a Cristo, deixarmo-nos determinar pelo Seu amor por nós… E, no devido tempo, respeitando a liberdade humana, tudo mais nos será acrescentado (cf. Lc 12, 29-34) – inclusive o testemunho que daremos a nossos filhos.

Francisco Borba Ribeiro Neto

 

quinta-feira, 2 de setembro de 2021