quarta-feira, 12 de abril de 2023

Dificuldades no casamento: unidade pessoal

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O presente mais precioso que o casamento me trouxe foi esse impacto constante de algo muito próximo e íntimo, ao mesmo tempo, incomparavelmente alheio,  resistente - numa só palavra, real (3), afirma C. S. Lewis.  Pode chegar o momento em que a relação matrimonial se turve e endureça. Diversas circunstâncias podem influenciar com maior ou menor intensidade e extensão. Às vezes uma pequena gota - que talvez faça derramar o copo - desencadeia a tempestade: "Um casal que começa a brigar, a discutir... O marido e a mulher não têm razão nunca para brigar. O inimigo é a soberba (4).

Unidade pessoal equivale aqui a autenticidade da vida; integridade de vida intelectual, volitiva emocional e biográfica. Diante de qualquer dificuldade na relação matrimonial, é preciso afastar a tentação de romper com o que somos, com o que quisemos ser. Refazer a vida, sim, mas com os nossos próprios materiais, não com os de outras pessoas. O compromisso matrimonial transformou-nos de modo radical e já não seria nem imaginável a nossa vida sem ela ou sem ele.

Assim deve ser sempre. Com visão ampla, magnânima, com generosidade de espírito. Não importa fazer um pouco de teatro no casamento, e forçar a própria entrega quando o sentimento não acompanha. Como dizia São Josemaria Escrivá, referindo-o a Deus, temos o melhor espectador possível, para essa humilde atuação: nossa mulher, nosso marido; e o sentimento sempre volta se soubermos chamar.

Fortalecer o amor significa torná-lo atual. Escolher todos os dias as pessoas a que amamos: eu o(a) amei hoje? Ele(a) o percebeu? E depois voltar a nós mesmos; só há uma pessoa que pode ajudar a melhorar a relação: eu mesmo. Sou eu que preciso mudar, e, então, com a nova visão que a minha mudança me concede, ajudar a ele(a) a mudar também. Quem deve de dar o primeiro passo? A resposta não é nova: aquele que vê o problema, ou seja, eu mesmo.

Quando se trata de renovar o amor, há uma  virtude e uma conduta que aparecem necessariamente: a humildade e o perdão. Humildade para reconhecer os próprios erros, humildade para pedir ajuda quando necessário, humildade para pedir perdão, humildade para conceber este perdão, humildade para ser perdoado. E que seja um perdão humilde, não altivo, generoso, compreensivo e oportuno, que saiba dizer sem palavras: "eu preciso de você para ser eu mesmo", como descreveu Jutta Burggraf. (5).

Javier Vidal-Quadras

[3] C. S. Lewis, A anatomia de uma dor
[4] São Josemaria, Anotações de uma reunião familiar, 1/06/1974
[5] J. Burggraf, "Aprender a perdonar". Artigo publicado na revista
Retos del futuro en educación. Madri 2004.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Reflexões durante a Semana Santa

 


A verdadeira piedade deve impregnar toda a alma humana, e, portanto, também deve despertar e estimular a emoção. Mas a piedade não é só emoção, e nem mesmo é principalmente emoção. A piedade brota da inteligência, seriamente formada por um estudo catequético cuidadoso, por um conhecimento exato de nossa Fé, e, portanto, das verdades que devem reger nossa vida interior.

A piedade reside ainda na vontade. Devemos querer seriamente o bem que conhecemos. Não nos basta, por exemplo, saber que Deus é perfeito. Precisamos amar a perfeição de Deus, e, portanto, devemos desejar para nós algo dessa perfeição: é o anseio para a santidade.

Sem esta disposição, todo o “querer” não é senão ilusão e mentira. Podemos ter a maior ternura na contemplação das verdades e mistérios da Religião: se daí não tirarmos resoluções sérias, eficazes, de nada valerá nossa piedade.

É o que se deve dizer especialmente nos dias da Paixão de Nosso Senhor.

Não nos adianta apenas o acompanhar com ternura os vários episódios da Paixão: isto seria excelente, não porém suficiente. Devemos dar a Nosso Senhor, nestes dias, provas sinceras de nossa devoção e amor. Estas provas, nós as damos pelo propósito de emendar nossa vida, e de lutar com todas as forças pela Santa Igreja Católica.

A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Quando Nosso Senhor interpelou São Paulo, no caminho de Damasco, perguntou-lhe: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Saulo perseguia a Igreja. Nosso Senhor lhe dizia que era a Ele mesmo que Saulo perseguia.

Se perseguir a Igreja é perseguir a Jesus Cristo, e se hoje também a Igreja é perseguida, hoje Cristo é perseguido. A Paixão de Cristo se repete de algum modo também em nossos dias.

Como se persegue a Igreja? Atentando contra os seus direitos ou trabalhando para dEla afastar as almas.

Todo o ato pelo qual se afasta da Igreja uma alma é um ato de perseguição a Cristo. Toda a alma é, na Igreja, um membro vivo. Arrancar uma alma à Igreja é arrancar um membro ao Corpo Místico de Cristo.

Se queremos, pois, apiedar-nos com a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, meditemos sobre o que Ele sofreu na mão dos judeus, mas não nos esqueçamos de tudo quanto ainda hoje se faz para ferir o Divino Coração.

A Igreja, sofredora, perseguida, vilipendiada, aí está a nossos olhos indiferentes ou cruéis. Ela está diante de nós como Cristo diante de Verônica. Condoamo-nos com os padecimentos dela. Com nosso carinho, consolemos a Santa Igreja de tudo quanto Ela sofre. Podemos estar certos de que, com isto, estaremos dando ao próprio Cristo uma consolação idêntica à que Lhe deu Verônica.

E nós? Importamo-nos com isto? Sofremos com isto? Rezamos por que estas almas se convertam? Fazemos penitências? Fazemos apostolado? Onde nosso conselho? Onde nossa argumentação? Onde nossa caridade? Onde nossa altiva e enérgica defesa das verdades que eles negam ou injuriam?

O Sagrado Coração sangra com isto. Sangra pela apostasia deles, e por nossa indiferença. Indiferença duplamente censurável porque é indiferença para com nosso próximo e sobretudo indiferença para com Deus.

Será bem exato que, para conservar a Fé, evitamos tudo que a pode por em risco? Evitamos as leituras que a podem ofender? Evitamos as companhias nas quais ela está exposta a risco? Procuramos os ambientes nos quais a Fé floresce e cria raízes? Ou, em troca de prazeres mundanos e passageiros, vivemos em ambientes em que a Fé murcha e ameaça cair em ruínas?

Todo o homem, pelo próprio fato do instinto de sociabilidade, tende a aceitar as opiniões dos outros. Em geral, hoje em dia, as opiniões dominantes são anticristãs.

Pensa-se contrariamente à Igreja em matéria de filosofia, de sociologia, de história, de ciências positivas, de arte, de tudo enfim. Os nossos amigos, seguem a corrente. Temos nós a coragem de discordar?

Ou contentamo-nos negligentemente em ir vivendo, aceitando tudo quanto o espírito do século nos inculca, e simplesmente porque ele no-lo inculca?

Quando o Divino Mestre gemeu, chorou, suou sangue durante a Paixão não O atormentavam apenas as dores físicas, nem sequer os sofrimentos ocasionados pelo ódio dos que no momento O perseguiam.

Atormentava-O ainda tudo quanto contra Ele e a Igreja faríamos nos séculos vindouros. Ele chorou pelo ódio de todos os maus, de todos os Arios, Nestórios, Luteros, mas chorou também porque via diante de si o cortejo interminável das almas tíbias, das almas indiferentes, que sem O perseguir não O amavam como deviam.

É a falange incontável dos que passaram a vida sem ódio e sem amor, os quais, segundo Dante, ficavam de fora do inferno porque nem no inferno havia para eles lugar adequado.

Eis a grande pergunta a que, com a graça de Deus, devemos dar resposta nos dias de recolhimento, de piedade e de expiação em que devemos entrar agora.

Texto extraído, com adaptações de "O Legionário" de Plínio Corrêa de Oliveira