Podemos facilmente notar que não havia
apenas um cego no Evangelho de hoje, mas muitos: apenas um era cego de
corpo, mas muitos eram cegos de alma. Ao primeiro, Jesus curou; aos
outros, não. Por quê?
O terceiro domingo do Advento e o quarto
domingo da Quaresma são os únicos dias do ano em que o sacerdote pode
se revestir de paramentos róseos. A razão é simples: a Igreja deseja
que, em nossas almas, algo dos gáudios natalinos e das vindouras
alegrias pascais se unam à mortificação e à penitência.
Por isso, este domingo também é conhecido como “domingo lætare”, o “domingo da alegria”.
A cegueira do corpo
O Evangelho de hoje é de tal modo
atraente que seríamos tentados a transcrevê-lo todo aqui. Mas
infelizmente não é possível, pois ele é tão rico em ensinamentos quanto
em palavras: é um Evangelho bem longo, com 41 versículos. Enfim,
contentar-nos-emos com um breve resumo.
Era dia de sábado. Enquanto caminhava,
Jesus avistou um cego de nascença e teve compaixão dele. Muitos julgavam
que tal moléstia era um castigo por seus pecados ou pelas faltas de
seus ancestrais. Contudo, Nosso Senhor disse que sua doença serviria
para que as obras de Deus se manifestassem nele. “Dito isso, Jesus fez lama com a saliva e colocou-a sobre os olhos do cego” (Jo 9,6). Depois, mandou-o lavar-se na piscina de Siloé: o cego o fez, e voltou enxergando (Cf. Jo 9,7).
Ninguém podia acreditar no que se
passara, pois desde seu nascimento, aquele homem nunca enxergara. Os
fariseus, porém, cheios de inveja, disseram-lhe que o Divino Mestre não
poderia ter operado aquela cura em dia de sábado. Então, começou uma
calorosa discussão entre eles e o cego que fora curado. Mas como não
tinham argumentos lógicos, apelaram ao recurso da força: expulsaram-no
da comunidade! (Cf. Jo 9,8-34)
Por fim, Jesus perguntou ao cego que fora curado, se ele cria no Filho do Homem. Ao que respondeu: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus, então, disse: “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo”. “Eu creio”, disse ele, prostrando-se diante de Jesus (Jo 9,35-38).
Após isso, Nosso Senhor disse que viera “para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem vejam e os que veem se tornem cegos” (Jo 9,39). Sentindo-se atingidos, os fariseus perguntaram: “Porventura nós também somos cegos?” Ao que Jesus respondeu: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis ‘nós vemos’ o vosso pecado permanece” (Jo 9,41).
A cegueira de alma
Neste Evangelho, pode-se facilmente
notar que não havia apenas um cego, mas muitos: um era cego de corpo, os
outros o eram de alma. Ao primeiro, Jesus curou; aos outros, não. Por
quê? Por uma razão muito simples.
O cego de nascença sabia-se cego – tanto
é assim que se colocou no caminho onde Jesus deveria passar. Os
fariseus, porém, eram cegos de uma “cegueira espiritual”, como o provam
as suas palavras: “porventura nós também somos cegos?”. Ao que respondeu nosso Senhor: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas como dizeis ‘nós vemos’ o vosso pecado permanece” (Jo 9,40-41).
Reconhecer as próprias falhas e os
próprios pecados é a primeira condição para ser curado. Seria absurdo,
por exemplo, que alguém que sofresse de uma doença mortal, afirmasse
gozar de plena saúde e rejeitasse qualquer medicamento. Neste caso, a
cura seria impossível.
E qual é o resultado desta cegueira? Em
primeiro lugar, a pessoa não tem uma noção exata de si mesmo: ilude-se
com qualidades que não tem, não reconhece os seus pecados, e vive numa
contínua tensão, pois teme ser descoberta.
Além disso, este gênero de almas está
julgado pelo orgulho. Ao deparar-se com uma alma íntegra, ou que lhe
sobrepassam em qualidades, são logo dominadas pelo mesmo vício dos
fariseus: a inveja.
Este vício é terribilíssimo! É a ele que
se devem tantas perseguições injustas, tantas calúnias, tantas
rivalidades e, inclusive, tantos homicídios que se deram ao longo da
História. Com efeito, o que ganha o invejoso por causar prejuízo aos
outros? Mesmo que ele consiga prejudicar o seu “inimigo”, como fizeram
os fariseus com Nosso Senhor, terá a tristeza de carregar por toda a
vida o remorso de seu próprio pecado.
É dessa tristeza que a Igreja quer nos afastar neste domingo. Ela nos diz, com bondade maternal: “Lætare,
alegrai-vos! Reconhecei vossos pecados, pedi a vossa cura. Pois se
assim o fizerdes, sereis libertos de vossa cegueira e, com o olhar
purificado, podereis contemplar a bondade de Jesus. Não mais sereis
dominados pela tristeza do egoísmo e da inveja, e, mesmo que tenhais de
passar por muitas tribulações, jamais sereis privados do gáudio virtuoso
e santo de quem está em paz com a própria consciência e com Deus”.
Que Nossa Senhora e o Patriarca São José nos auxiliem na obtenção de tais graças.
Por Lucas Rezende