Hoje, fazendo memória de São Bento, selecionei um texto que aponta de forma lúdica, ou talvez bem real, para a questão da influência do mal, tão bem enfrentada pela oração dos beneditinos.
Malu
Demônios, como nos livramos deles...
Jesus
passou boa parte de seu ministério público expulsando demônios. Parece que
naquela época havia uma praga deles, que não poupavam a ninguém: crianças e anciãos,
homens e mulheres, judeus e pagãos, todos estavam de alguma maneira expostos à
incursão demoníaca. Para os evangelistas, a expulsão dos demônios exprime
claramente o senhorio de Jesus e a chegada do reino dos céus. Como Ele mesmo
diz aos fariseus: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso demônios, então o reino
de Deus já chegou a vós” (Lc 11,20). Hoje, ele comunica este poder aos seus
discípulos.
Como
vamos interpretar esta atividade de Jesus, nós que não acreditamos muito na
existência de demônios e muito menos na sua atuação, nós que transferimos tudo
para o campo psicológico?
Antes
de darmos nossa interpretação, seria bom assistirmos a uma reunião do P.P.A.
Não sabem o que é P.P.A.? Ora gostamos muito de acrósticos, de abreviações como
Telemar, Ibama, Ovni, onde cada letra
representa uma palavra.
Então
quero acrescentar mais uma abreviação _ P.P.A., isto é, Parcialmente Possessos Anônimos.
Nesta
reunião (viajamos com o tapete mágico e já estamos dentro da sala) a gente
encontra três velhos amigos, Fulano, Beltrano e Sicrano. "Opa, vocês por aqui?
Será que são membros do P.P.A.?" – “Somos sim e hoje vamos falar de nossa luta.
Aliás, vocês também são sócios?”
“Não
estamos apenas observando”, dizemos, ficando um pouco vermelhos. “Então, tá
bom. Vão ouvir algo interessante”, dizem.
É
Fulano quem começa: “Olha pessoal, ainda estou tendo dificuldades com o meu
nervosismo. Trabalho duro o dia inteiro, trabalho bom, mas trabalho pesado e
passo o dia pensando em minha família, e como vale a pena sacrificar-me por
esposa e filhos. Fico animado com o pensamento. Só que, quando volto para casa
e a mulher reclama do dinheiro, e os filhos brigam entre si e não me mostram o
devido respeito, este sonho de dar tudo pela família se evapora e parece que
estou lutando com uma turma de ingratos. Surgem, contra a minha vontade, palavras
grosseiras e, às vezes, até quebro alguma coisa, tipo desabafo; outras vezes
chego a bater em alguém. Depois disso a única voz que se ouve toda a noite é a
voz da televisão... e também a da minha consciência pesada”.
Beltrano
continua: “Comigo as coisas estão melhorando um pouco. Vocês se lembram que o meu problema é com as
revistas, quero dizer, com as fotos. Passei anos gastando dinheiro, gastando
tempo, gastando minha vida afinal, com essas imagens de mulheres. Não tinha
namorada, nem amigos, quase nem tinha colegas. Porque estas pessoas realmente
existem, e eu preferia viver em minha imaginação, onde podia sentir satisfação
sem qualquer compromisso. Hoje, sinto uma verdadeira sede de conhecer outras
pessoas, para ter uma relação que vai além de “tudo bem?”, e começo agora
acreditar que é possível, que o homem não foi feito – ou condenado – a ficar
só. E isto me dá força para largar as revistas cada vez mais”.
A
aparência de Sicrano chama um pouco a nossa atenção. Parece que está vestido de
monge. A gente se informa e, de fato, é monge, liberado por seu abade para
assistir a esta reunião. Irmão Sicrano toma o microfone e diz: “Tenho que
confessar que ainda não estou livre do meu minisadismo. Não sei por quê, mas
cada vez que algo dá errado com um outro membro de minha comunidade, me sinto
realizado. É como se o sol, estivesse saindo das nuvens. Amo meus irmãos, pelo
menos acho que os amo, mas mesmo
assim, qualquer tragédia pela qual passam, por menor que seja, dá brilho ao meu
dia. Nunca faria nada pessoalmente contra eles, mas quando o golpe vem , lá
estou eu torcendo: Mais um! Curioso, não é?”
Nós
os ouvintes, de boa índole e coração terno, nos apressamos a consolá-los:
Fulano, Beltrano, Irmão Sicrano! Todo mundo faz estas coisas. Não é culpa sua.
É absolutamente normal. E se vocês se sentem tristes, falem com o psicólogo ou,
se preferirem, vão à praia.”
Surpreendentemente,
os três fazem pé firme e não cedem:
“Amigos, a gente passou muitos anos nos enrolando com frases como estas – “não é
culpa sua; todo mundo faz! Muitos anos. Mas, na verdade, sempre soubemos que
não passavam de desculpas e mentiras. Temos estes nossos problemas. Não são
grandes, mas são graves e atrapalham a nossa vida. O nervoso nunca é uma pessoa
feliz, nem o viciado em pornografia, nem o ser humano que se realiza com a
miséria dos demais. Estávamos lentamente destruindo nossas vidas. Agora
proclamamos a verdade – somos parcialmente possessos. Somos loucos, mas não
malucos. Graças a Deus, levamos uma vida basicamente responsável e humana, mas
há aspectos de nossos comportamentos onde o maligno entrou, fez seu ninho a até
hoje não saiu. Não vamos negar isso nunca mais.”
“Mas
vocês fazem alguma coisa além de se reunir e chorar seus sofrimentos?”
“Fazemos
sim. Aceitamos e pomos em prática a orientação de Jesus, que estes demônios não
podem ser expulsos a não ser por oração e jejum. Oração porque ela abre a nossa
alma à graça e ao poder de Jesus; jejum, porque abre nosso corpo à mesma
influência salvífica. Além do mais, aproveitamos o máximo possível as visitas
dos discípulos de Jesus que têm o poder de expulsar os demônios, embora, nem
sempre imediatamente.”
“Então,
vocês querem dizer que os discípulos de Jesus ainda andam por estas passagens
terrenas expulsando demônios?”
“Andam
sim. E quando vêm, hospedam-se num pequeno cubículo, uma pequena sala que
chamam de confessionário. É lá que fazem este trabalho de cura. Quem sabe se
não tem um destes confessionários perto de vocês?”.
Na
verdade, quem sabe? Pode ser que alguém hoje lendo estas linhas, tenha
descoberto que é um P.P.A.! Até agora talvez, fosse anônimo até para si mesmo.
Agora já sabem. E sabem a quem recorrer – a Jesus que expulsava demônios, e que
comunica este poder a seus discípulos.
Dom
Bernardo Bonowitz, ocso
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