“No
entanto, desde o princípio da criação Deus os fez homem e mulher”
(Mc 10,6)
No evangelho deste último domingo,
partindo da pergunta que lhe fazem, Jesus não foca tanto na questão do divórcio
(ou repúdio), quanto no lugar e na dignidade da mulher; sua resposta vai centrar-se em outra direção, pela qual não
lhe haviam perguntado.
Na realidade, a atitude de Jesus
é coerente com toda sua trajetória. Se algo fica claro, no relato evangélico, é
seu posicionamento decidido a favor dos “últimos”, dos “pequenos”, das
“crianças”, das mulheres...Por tudo isso, não parece casual que, depois do
relato no qual defende a igualdade da mulher com relação ao homem, apareça a
cena de Jesus abraçando as crianças.
Seja qual for o motivo da
pergunta feita pelos fariseus, a resposta de Jesus vai se centrar neste ponto:
a “intuição primeira” (e, portanto, também o “horizonte”) para a qual tende a relação
amorosa entre homem e mulher: “o que Deus
uniu o homem não separe”. Mas Deus não une pelas leis canônicas e sim pelo amor cuja intenção é a plena comunhão
entre duas pessoas. Uma coisa é a indissolubilidade canônica e outra é a
fidelidade que o casal deve atualizar cada dia e em cada instante de sua
convivência.
Sabemos que o ser humano se
humaniza quando em companhia, e uma estável relação de casal
alcança o grau mais profundo de realização humana. Esta é a chave de todo o
discurso de Jesus.
Este projeto matrimonial é para
Jesus a suprema expressão do amor humano. É Deus mesmo que atrai mulheres e
homens para viverem unidos por um amor livre e gratuito. O matrimônio é
a verdadeira escola do amor. Nenhuma outra relação humana chega a tal
grau de profundidade.
O amor não é puro instinto, não é
paixão, não é interesse, não é simples amizade nem simples desejo de um querer
mútuo. É a capacidade de ir ao(à) outro(a) e encontrar-se com ele(ela) como
pessoa, para que, no mútuo crescimento e experimentando-se como dom, ambos
possam se ajudar para serem mais huma-nos. E uma das qualidades mais bonitas do
amor é que deve estar crescendo toda a vida.
Nesse sentido, o matrimônio
não é uma realidade estática, mas dinâmica, é chama divina, é mudança, é
abertura ao novo, é projeto a ser construído cotidianamente a dois, é movimento
na direção de um “Amor maior”, “amar melhor”, fundado sobre o
amor incondicional de Deus.
O Vat. II define a vida matrimonial
como “comunhão
de vida e de amor”.
1. Comunhão de amor.
Não de amor como mero enamoramento transitório; homem e mulher uniram-se em
matrimônio não só porque se queriam, senão para plenificar o amor entre ambos.
2. Comunhão de vida, porque
prometeram percorrer, mutuamente unidos, o caminho de sua vida, não meramente “até que a morte os separe”, mas “até que a vida inteira, percorrida em
uníssono, os una por completo”.
Ao
envelhecer juntos, meta desafiante, consuma-se o matrimônio. Assim é que se realiza a vida
juntos, fazendo-se companhia digna, ajudando-se mutuamente a se tornarem mais
humanos; uma companhia experimentada como dom, com alegrias e sombras,
querendo-se muito e também sendo mútuo suporte, mesmo no outono da vida.
Por isso, ao falar de
“indissolubilidade matrimonial”, é preciso assumir com lucidez e serenidade o
caráter processual da relação de “duas
pessoas unindo-se” em “comunhão de
vida e amor”.
Os
trâmites legais que certificam o consentimento conjugal se firmam em um
momento. Mas a união de duas pessoas em “comunhão de vida e amor” não é
momento, mas processo; não tem efeito instantâneo a partir de uma declaração
legal, nem de uma fusão biológica, nem de um artifício mágico, nem sequer de
uma benção religiosa; não é uma foto estática e morta, mas um processo dinâmico
e vivo.
Assim,
podemos afirmar que o
casamento é um momento, mas o matrimônio é um processo que deve ser
re-inventado, re-construido cada dia. Isso implica ser criativo na maneira de
vivê-lo, buscar novas expressões, novos gestos... A cada dia, o casal deveria
dizer, um ao outro: “Hoje eu te recebo novamente como minha esposa/meu
esposo, e te prometo ser fiel, na alegria e na tristeza...”.
A
indissolubilidade matrimonial não é um caráter selado a fogo como um carimbo,
mas uma meta, fim e horizonte do processo em direção a uma profunda unidade de
vida: “Serão os dois um só ser” (Gen 2,24); unidade
sem costuras, na qual não se nega a diferença, mas esta fica integrada ou
abraçada na Unidade
maior que nada deixa fora. “Projeto
a dois”, mas sem anular a identidade, a originalidade do outro. O amor faz do
homem e da mulher não “duas metades” que se encontram, mas dois inteiros que se
doam, e que generosamente acolhem e transbordam o Amor de Deus semeado em seus
corações, desde sempre.
Baseado em
reflexão de Pe. Adroaldo, SJ
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