segunda-feira, 25 de julho de 2016

Infidelidade espiritual



Estudos recentes da “American Association for Marriage and Family Therapy” (EUA) revelam que cerca de 20% dos casamentos têm algum tipo de infidelidade sexual. Outra parcela de 20% é vítima de algum vínculo emocional com outra pessoa que não seja seu cônjuge. 

No caso específico do Brasil, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o casamento continua em alta em nosso país, porém, o número de divórcios também continua aumentando em grandes proporções.

Mas, em círculos especificamente católicos, qual seria o panorama?

Em uma edição da revista norte-americana Our Sunday Visitor, o Dr. Gregory K. Popcak, especialista em aconselhamento pastoral, notadamente nas áreas de transtornos afetivos (depressão, ansiedade) e problemas matrimoniais e familiares, afirma que até 83% dos casamentos católicos, os cônjuges cometem a denominada “infidelidade espiritual” (cf. “Spiritual infidelity: A crisis in Catholic marriage”, 02.09. 2015).

Entende-se por “infidelidade espiritual” um conceito muito mais amplo que o de “infidelidade sexual” ou “infidelidade sentimental”. Considerando as mútuas promessas que ambos os cônjuges firmaram no dia do casamento, e uma vez que este sacramento supõe para os cônjuges que se tornem ajuda um para o outro para chegar ao céu (o que implica viver a fé juntos: orar unidos, ir juntos à missa, educar de forma cristã os seus filhos, etc), a violação dessas promessas de caráter espiritual torna-se uma “traição” que, em última instância, enfraquece o casamento e facilita outras infidelidades. Essa é a “infidelidade espiritual” definida por Popcak.

Mas, qual é a base para se chegar a essa elevada porcentagem de “infidelidade espiritual?
Um estudo realizado pelo “Center for Applied Research in the Apostolate” da Universidade de Georgetown e patrocinado pela “The Holy Croos Family Ministries” mostra que apenas 17% dos casais católicos rezam juntos.

Isso significa que, de acordo com o Dr. Popcak, “em termos práticos, se um casal católico não está partilhando ativamente a sua fé, adorando a Deus juntos, orando juntos, cai-se na infidelidade espiritual ao colocar algo diferente de Deus e da fé no centro das suas vidas”. E acrescenta: “parece-me que, infelizmente, os católicos aceitam a existência da infidelidade espiritual”.

Para Popcak é algo muito sério que a maioria dos esposos católicos não assuma que deve esperar algo do seu cônjuge relativo aos compromissos espirituais mutuamente adquiridos como orar juntos ou compartilhar a fé.

Muitas vezes ouve muitas vezes esposas e esposos que dizem: “Não posso obrigar meu cônjuge a orar”. E refere que certamente não se trata de forçar ninguém a fazer nada; trata-se de convidar permanentemente ao casal a ser fieis às promessas realizadas no altar com a expectativa de que, pelo menos, por respeito ao seu esposo(a), compartilhem um momento de oração significativo. Não fazê-lo seria consentir abertamente a “infidelidade espiritual”.

Com efeito, no capítulo VI da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, que sintetiza os principais desafios pastorais derivados dos debates do caminho sinodal, dentre eles o acompanhamento dos casais nos primeiros anos de sua vida matrimonial, Papa Francisco salienta que “É preciso sublinhar a importância da espiritualidade familiar, da oração e da participação na Eucaristia dominical e animar os cônjuges a reunirem-se regularmente para promoverem o crescimento da vida espiritual e a solidariedade nas exigências concretas da vida. Liturgias, práticas devocionais e Eucaristias celebradas para as famílias, sobretudo no aniversário de matrimônio, foram citadas como vitais para favorecer a evangelização através da família.”

Prossegue alertando o Santo Padre que “quando não se sabe que fazer com o tempo compartilhado, um ou outro dos cônjuges acabará por se refugiar na tecnologia, inventará outros compromissos, buscará outros braços, ou escapará de uma intimidade incômoda.

Eduardo Mélega Burin

Referências:
1. “Artigo publicado por Jorge Henrique Mujica em ZENIT - 10/09/16
2. Exortação Apostólica Pós-Sinodal – Amoris Laetitia – Papa Francisco

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O silêncio que exalta



Olhando para os tempos atuais, e para a agitação que perpassa a vida das pessoas que vivem em nossos dias, quero lembrar de um homem cujo missão superou em importância os maiores projetos humanos, e no entanto nele havia só calma, humildade, obediência, justiça, prudência e silêncio: São José.

"São José pôs todas as suas energias a serviço dos os desígnios de Deus, mas fê-lo sem agitação, sem barulho, num silêncio tal que o Evangelho não nos transmite uma única das suas palavras. Em todas as situações singulares em que Deus o colocou, permaneceu silencioso e calmo. Sabia que a função do servo não é falar, mas escutar a voz do seu senhor, e que o silêncio é o ambiente necessário de uma vida que procura alcançar Deus e manter-se em trato contínuo com Ele".

Pai adotivo de Jesus, São José teve a missão de ser o patriarca da Família de Nazaré, de salvaguardar a figura de Maria, Mãe de Jesus, que apesar de conceber o Filho de Deus, permaneceu virgem. Precisava também trabalhar para dar sustento à sua santa família e ser o educador, modelo e protetor de seu filho, verdadeiro Deus, e verdadeiro homem também.

Mas porque falar de José agora, nem é a festa dele... No entanto, precisamos nos lembrar sempre das virtudes deste homem que a Igreja chama de justo. E ele também tem muito a nos dizer, a ensinar aos homens e às mulheres de hoje, "porque nos falta o sentido da verdadeira grandeza, e não se exalta senão a agitação, o barulho, o brilho, o resultado imediato. Perdeu-se a fé nas vantagens e na fecundidade da solidão, do silêncio e da meditação; essas virtudes primordiais já não aparecem senão como práticas ultrapassadas, esforços inúteis para o progresso do mundo. As pessoas revoltam-se contra tudo o que vem contrariar o seu aburguesamento, pois nos nossos dias tudo contribui para exaltar a pessoa humana e os direitos que ela pretende poder reivindicar. O grande sonho de muitos homens é ter um nome e cobrir-se de purpurina, obter uma distinção, um lugar na tribuna, uma situação que obrigue os outros a inclinar-se diante deles".

"São José ensina-nos que a única grandeza consiste em servir a Deus e ao próximo, que a única fecundidade nasce de uma vida que, desdenhando o brilho e as conquistas rumorosas, dedica-se a cumprir o seu dever e a não agradar senão a Deus". 

"A mensagem de São José consiste, pois, em recordar-nos a primazia da vida interior e da contemplação sobre a ação exterior e a agitação, a urgência prévia da abnegação, fundamento indispensável de toda fecundidade. Ele nos ensina que, em última análise, o essencial não é parecer, é ser; não é possuir um título, é servir; é desfiar os dias da existência sob o signo das vontades divinas e da procura da glória de Deus".

"São José escapa à nossa apreciação, que não pode medir a altura das suas funções. Deus tão ciumento, confiou-lhe a Santíssima Virgem. Deus, tão ciumento, confiou-lhe Jesus Cristo. E a sombra do Pai caía todos os dias sobre ele, tão densa que as palavras mal se atreviam a aproximar-se dela".

Citações de Michael Gasnier no livro "José, o silencioso" - Ed. Quadrante

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A leitura orante da Palavra



A "Lectio Divina" é uma expressão latina já presente e consagrada no vocabulário católico, que pode ser traduzida como "leitura divina", "leitura espiritual", ou ainda como ocorre hoje em nosso país e em vários escritos atuais, como "leitura orante da Bíblia". A Lectio Divina é deixar-se envolver pelo plano da Salvação de Deus. Os princípios da Lectio Divina foram expressos por volta do ano 220 e praticados por monges católicos, especialmente as regras monásticas dos santos: Pacômio, Agostinho, Basílio e Bento. O tempo diário dedicado à lectio divina sempre foi grande e no melhor momento do dia. A espiritualidade monástica sempre foi bíblica e litúrgica. A sistematização do método da lectio divina nós encontramos nos escritos de Guigo, o Cartucho, por volta do século XII. 

A Lectio Divina tradicionalmente é uma oração individual, porém, pode-se fazê-la em grupo. O importante é rezar com a Palavra de Deus, lembrando o que dizem os bispos no Concílio Vaticano II, relembrando a mais antiga tradição católica - que conhecer a Sagrada Escritura é conhecer o próprio Cristo. Monges diziam que a Lectio Divina é a escada espiritual dos monges, mas é também de todo o cristão. O Papa Bento XVI fez a seguinte observação num discurso de 2005: "Eu gostaria, em especial, recordar e recomendar a antiga tradição da Lectio Divina, a leitura assídua da Sagrada Escritura, acompanhada da oração que traz um diálogo íntimo em que na leitura, se escuta Deus que fala e, rezando, responde-lhe com confiança a abertura do coração".

 O método tradicional é simples: são quatro degraus - "a leitura procura a doçura da vida bem-aventurada; a meditação a encontra; a oração a pede, e a contemplação a experimenta. A leitura, de certo modo, leva à boca o alimento sólido, a meditação o mastiga e tritura, a oração consegue o sabor, a contemplação é a própria doçura que regala e refaz. A leitura está na casca, a meditação na substância, a oração na petição do desejo, a contemplação no gozo da doçura obtida." (Guigo, o Cartucho, Scala Claustralium).

Portanto, quanto à Lectio, leitura, leia, com calma e atenção, um pequeno trecho da Sagrada Escritura (aconselha-se que nas primeiras vezes utilizem-se os textos dos Evangelhos). Leia o texto quantas vezes e versões forem necessárias. Procure identificar as coisas importantes desta perícope: o ambiente, os personagens, os diálogos, as imagens usadas, as ações. É importante identificar tudo com calma e atenção, como se estivesse vendo a cena. A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com aplicação de espírito. 

Quanto à Meditatio, começa, então, diligente meditação. Ela não se detém no exterior, não pára na superfície, apóia o pé mais profundamente, penetra no interior, perscruta cada aspecto. Considera atenta sobre o que esta Palavra está iluminando minha vida e a realidade em que vivo hoje. Quais são as circunstâncias que ela me questiona e me incentiva? Depois de ter refletido sobre esses pontos e outros semelhantes no que toca à própria vida, a meditação começa a pensar no prêmio: Como seria glorioso e deleitável ver a face desejada do Senhor, mais bela do que a de todos os homens (Sl 45,3), não mais tendo a aparência como que o revestiu sua mão, mas envergando a estola da imortalidade, e coroado com o diadema que seu Pai lhe deu no dia da ressurreição e de glória, o dia que o Senhor fez (Sl 118,24). 

Quanto à Oratio, toda boa meditação desemboca naturalmente na oração. É o momento de responder a Deus após havê-lo escutado. Esta oração é um momento muito pessoal que diz respeito apenas à pessoa e Deus. Não se preocupe em preparar palavras, fale o que vai ao coração depois da meditação: se for louvor, louve; se for pedido de perdão, peça perdão; se for necessidade de maior clareza, peça a luz divina; se for cansaço e aridez, peça os dons da fé e esperança. Enfim, os momentos anteriores, se feitos com atenção e vontade, determinarão esta oração da qual nasce o compromisso de estar com Deus e fazer a sua vontade. Vendo, pois, a pessoa que não pode por si mesma atingir a desejada doçura de conhecimento e da experiência, e que quanto mais se aproxima do fundo do coração (Sl 64,7), tanto mais distante é Deus (cf. Sl 64,8), ela se humilha e se refugia na oração. E diz: Senhor, que não és contemplado senão pelos corações puros, eu procuro, pela leitura e pela meditação, qual é, e como poder ser adquirida a verdadeira doçura do coração, a fim de por ela conhecer-te, ao menos um pouco.

Quanto ao último passo, a Contemplatio: desta etapa a pessoa não é dona. É um momento que pertence a Deus e sua presença misteriosa, sim, mas sempre presença. É um momento no qual se permanece em silêncio diante de Deus. Se ele o conduzirá à contemplação, louvado seja Deus! Se ele lhe dará apenas a tranquilidade de uns momentos de paz e silêncio, louvado seja Deus! Se para você será um momento de esforço para ficar na presença de Deus, louvado seja Deus! Mas em todas as circunstâncias será uma maneira de ver Deus presente na história e em nossa vida! "Ele recria a alma fatigada, nutre a quem tem fome, sacia sua aridez, lhe faz esquecer tudo o que não é terrestre, vivifica-a, mortificando-a por um admirável esquecimento de si mesma, e embriagando-a sóbria a torna" (Guido, o Cartucho).

Portanto, diante deste patrimônio da nossa Igreja que é este método da Lectio Divina, desejo a todos nós aprofundar a Leitura Orante da Bíblia, que, aproximando-nos da Palavra de Deus, encontremos os caminhos da vida dos cristãos hoje, que, diante da atual mudança de época, respondamos com uma vida nova, haurida nas escrituras sagradas, que nos comunicam a Palavra eterna, o Verbo eterno, Jesus Cristo, nosso Senhor!

Dom Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Conselho da Europa contra a hipersexualização das crianças


No dia 21 de junho desse ano a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (Pace) disse “não” à hipersexualização das crianças. O fez por meio de uma Resolução, 2119/2016, e uma Recomendação, a 2092/2016, com um título bem eloquente “Fighting the over-sexualisation of children”, lutando contra a hiper sexualização das crianças. Dois documentos que esclarecem e convidam os 47 Países membros a impedir este fenômeno que envolve crianças e adolescentes.

A Pace ressalta, por exemplo, a forma como as meninas e as adolescentes se vestem, imitando os adultos, “expressões visíveis da precoce sexualização das crianças".

A hipersexualização dos menores passa por meio de vários canais. Dos jornais aos videoclipes de música com 44% a 81% de imagens sexuais, desenhos animados e filmes (alguns estudos evidenciam que as personagens femininas da Disney de hoje têm menos roupa e são apresentadas como mais sexy do que aquelas de ontem, como a Branca de Neve e a Cinderela). E mais, revistas para adolescentes que mostram como único objetivo de uma mulher, menina, jovenzinha atrair a atenção dos homens, e, portanto, serem sexualmente desejáveis.

“O fenômeno do sexting (partilha de imagens sexualmente explícitas por meio de dispositivos móveis ou outros meios na internet) difundido em todas as escolas da Europa” preocupa especialmente a Assembleia Parlamentar porque “leva a significativos traumas psicológicos”.

A Assembleia Parlamentar convidou, portanto, – com alguns conselhos bem práticos ao final do documento – os sujeitos envolvidos e as autoridades públicas a “desenvolver uma legislação eficaz e atuar políticas e programas para prevenir a excessiva sexualização das crianças.

Por Zenit