Vamos
imaginar que é domingo de manhã, dia
ensolarado, e em vez de estarmos na igreja, estamos em casa lendo (talvez a Bíblia), olhando pela janela, sonhando acordado, num estado de bem estar, descansando depois do
trabalho da semana.
De
repente Jesus chega à porta da casa, em baixo da janela, montado num jumento, e
a seu lado um jumentinho já selado esperando um cavaleiro.
-
“Vem”, diz ele, “vamos passar uma semana juntos, saindo e fazendo façanhas”.
-
“Esta semana não posso. É Semana Santa”.
-
“Isto mesmo; é a semana para ir cavalgar comigo. Só fique ao meu lado: não
desapareça! E lembre-se: tudo o que eu faço, faça; tudo o que eu sofro, sofra”.
Então
repito a mim mesmo as instruções: tudo o que eu faço, faça ; tudo o que eu sofro, sofra.
Como
já disse, é:
Domingo.
-
E qual vai ser a nossa primeira aventura?
Entrada
de uma grande e antiga cidade oriental – gritos, cantos, aromas do grande
mercado, aclamações, palmas reverências.
O
povo está gritando “Hosana ao filho de Davi, o que quer dizer, aos filhos – de Davi!” (temos tudo em comum,
eu e meu amigo Jesus: um hosana para ele, um para mim). “Mestre”, a turba diz a
mim “Rabi”. Isto é que é vida: honra, reconhecimento.
Segunda
feira:
-
“O que é que está na agenda hoje, Jesus?”
É
um jantar na casa de uma família amiga: Marta, Maria e Lázaro.
Maria
chega à mesa, onde estamos sentados, com um vaso de ungüento aromático.
Primeiro unge a cabeça de Jesus, e logo em seguida a minha.
Agora
vejo que há um aspecto solene nesta coisa de ser amigo de Jesus: lindo, mas
misterioso. Que poderia significar um tal gesto, para o que estou sendo ungido?
Minha pergunta paira no ar.
Quarta
feira:
Jesus
fala comigo a respeito da celebração da Páscoa que está se aproximando.
Apresenta-me aos seus discípulos.
Gosto
da maioria.
Há
um, porém, que me olha de esguelha. Sorri, mas como se eu fosse algo para
vender, como se ele fosse capaz de vender qualquer um, se obtivesse lucro;
chama-se Judas.
Sinto
medo, sinto frio.
Quinta
feira: mais um jantar festivo!
Evidentemente,
há uma pitada de verdade neste boato que anda por aí de ser Jesus um pouco
comilão. Mas no meio da ceia, ele levanta-se, tira sua túnica, e me passa uma
toalha.
-
“Tome, e cinja-a. Vamos lavar os pés dos hóspedes”.
Duvido,
hesito. Não sei lavar pés, coisa de escravo.
-
“Não”, diz Jesus, “só faça. É um símbolo bom para alguém que quer dar a sua
vida”.
Eu
me pergunto: por que dar a minha bela vida? E se eu a der, o que vai acontecer
comigo?
Quinta
feira ainda mais tarde:
Nós
dois vamos passear um pouco, vamos para um jardim. Os outros estão em casa,
dormindo.
-
“Agora, rezemos”.
Olho
para ele, em busca de explicações.
-
“Reze por mim”, diz Jesus, com uma intensidade que me faz estranhar. “Reze por
seu amigo que vai estar precisando das orações de uma pessoa de confiança... E
reze por si mesmo, pois vai precisar de orações para continuar nesta aventura
comigo”.
Enquanto
ele fala, ouvem-se passos e o tintilar das armas.
Sexta
feira à tarde:
Vocês
pensam que há três cruzes fora de Jerusalém?
Há
quatro, quatro. Não discutam comigo. Eu sei,...estou pendurado na quarta. Faz
tempo que estamos aqui: dois ladrões, eu, e meu amigo.
Meu
amigo? Foi por isso que ele me convidou para sair de minha casa bonitinha? Foi
para morrer? Sim, hoje estamos morrendo. Só que eu não quero. “O que eu fiz, o
que eu fiz, o que eu fiz?”, pergunto-me.
Ao
meu redor ouço duas vozes, duas frases: “Eu não quero sofrer” e “Sofra o que eu
sofro”.
Domingo
muito cedo (eu acho):
Como
um sapo, como uma cobra, eis-me aqui, embaixo de uma pedra enorme, tão pesada
que ninguém consegue movê-la. Faz quanto tempo que estou aqui? Quem se importa?
É este o começo de uma eternidade escura?
Subitamente
ouço uma voz conhecida, voz poderosa, voz mandona: Viva!
E
mais uma vez, bem diferente do que antes, eu vivo, eu vejo, eu sou!
E
meu amigo? Cadê ele? Oh – ele está tão perto, tão perto. Ele vive em mim. Ele é
a vida da minha vida.
Não
basta mais o nome de amigo. Deixe-me proclamá-lo: “Meu Senhor e meu Deus”.
Hoje
meus amigos, Jesus vem às suas casas, como vocês estão agora na casa Dele.
Ele
os convida para passar esta semana em união com Ele, para selar uma nova e
eterna aliança, no seu sangue, para receber a vida Dele e dar a sua vida nas
mãos Dele.
A
Semana Santa não é uma memória morta de uma época passada. A Semana Santa é a
reapresentação da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. A diferença é que há
dois mil anos vocês não existiam, não podiam participar. Agora existem, e podem
participar se quiserem.
Por
meio da celebração desta Semana, Deus quer que cada um de nós se una
profundamente a Jesus. Esta é a nossa salvação: ao reproduzir seu mistério nas
condições de nossa vida, tornamo-nos um com Ele.
Dom
Bernardo Bonowitz, ocso
Homilia de Domingo de Ramos da Semana
Santa de 28/04/1999.