segunda-feira, 27 de julho de 2015

Aceitar-se


Aceitar-se é ir adiante com passo tranquilo sobre o próprio caminho, respirando profundamente a unidade de seu ser. E caminhar sem pousar sobre a terra a sua parte mais pesada.


É acolher a sua história e suas circunstâncias mais obscuras, a água de seu rio e os meandros percorridos, seu corpo e as feridas que você esconde no íntimo. Aceitar-se é a coragem de se saber humano desde o princípio do próprio caminho.

É o testemunho mais humano de sua humanidade, a parte mais integral de sua grandeza. Aceitar-se lhe dirá como o ser grande contém sempre, em algum lugar, uma fraqueza. Dessa forma, o herói possui “um calcanhar de Aquiles”, a parte que, ao caminhar fica mais para trás, aquela que o torna vulnerável.

Aceitar-se é escancarar o próprio olhar, imóvel por alguns instantes, ao abrir a janela de manhã. É acolher aquilo que o espera, e que não é fruto de seu desejo: a azul ou o cinza do céu, a neblina, o vento, a chuva ou, apenas, um modesto raio de sol...

Aceitar-se é sentir-se mais forte que aquilo que vem ao seu encontro. É acolhê-lo, dessa forma, como se fora um companheiro de viagem. Se maldizer alguma coisa é mantê-la distante, para afastar-se sozinho, aceitar é ter a força de ficar, para partir depois acompanhado...

É levar o que existe dentro de você e que você não ama ou não consegue explicar, na sua diferença. Algo que você não pode, no fundo, desculpar ou perdoar. Alçá-lo da terra para recolhê-lo dentro de você mesmo: será a única maneira de poder doar-se ao outro inteiramente.

Como uma montanha segue com o olhar a passagem das nuvens, sem se mover um palmo para evitá-las, da mesma maneira aceitar-se nada exclui de você, para no final sentir-se em harmonia com você mesmo...

Aceitar-se é acolher a fragilidade de seu ser e as contradições que habitam nele, como a qualquer criatura humana. Mas acolher amorosamente, como se colhesse as últimas flores que restam de seu jardim, escurecidas pelas noites úmidas de outono...

Renato Zilio

segunda-feira, 20 de julho de 2015

No silêncio Deus fala



Transformou a procela (tempestade) em leve brisa, e as ondas do mar silenciaram. 
Is 106,29

Eis uma arte necessária, difícil e até mesmo temida. Silenciar, muitas vezes, é considerado fraqueza, desistência ou até mesmo admissão de algo que na realidade não é verdade total. Mas muitas vezes precisamos silenciar, mesmo que tenhamos que pagar alto preço. O silêncio inquieta e torna-se uma resposta que confunde.

Nosso tempo nos pede insistentemente um "toma lá, da cá" de perguntas e respostas, justificativas e acusações, mas não devemos ceder a isso, não devemos entrar nesse jogo. Isso seria comungar com aquilo em que não acreditamos.

Nesse turbilhão, a Palavra de Deus nos chama ao silêncio, à reflexão. Quem não silencia, comumente age no ímpeto de seus impulsos e acaba misturando tantas emoções e tantos descontentamentos, que vocifera contra alguém o tumultuado turbilhão de insatisfações interiores. Se gritamos, vociferamos com as pessoas, é porque trazemos isso dentro de nós.

O silêncio não é fraqueza, mas atitude privilegiada daqueles que desejam entrar em contemplação do mais belo dos mistérios: o amor imutável.

Deus transforma tudo em brisa. É curioso que nós percebemos rapidamente as tempestades, as ventanias, mas muito lentamente percebemos o sereno silencioso que simplesmente toca carinhosamente a nossa face sem fazer nenhum barulho, nenhum ruído. Silenciar é acolher e filtrar na fé.

Pe. Fábio Gleiser Vieira Silva 

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A doença do excesso






Uma reflexão à luz do novo livro do filósofo Pascal Chabot
  
Somos uma geração nascida no berço da utópica sociedade do entretenimento e do “Übermensch” tecnocrata. Estamos identificados com esta "última versão do paraíso terrestre, que, em vez de um jardim, prometia praias ensolaradas e velozes automóveis". E não podia ter sido diferente: o clima de otimismo trabalhado por vários fatores prometia um desenvolvimento tal em que as máquinas nos libertariam do trabalho e nos deixariam entregues ao tão cobiçado “ócio”. Esta sociedade utópica, no entanto, era um verdadeiro cavalo de Troia. Em vez das promessas de despreocupada liberdade, ela nos levou a uma escravidão nova e sem precedentes. Sobre ela, o filósofo Pascal Chabot escreve em seu livro “Global Burnout”.

Autômatos autônomos

 
Chabot analisa a situação de conformismo do homem moderno a um ritmo de vida projetado para torná-lo feliz, mas que, na realidade, o esgota e oprime. As pessoas de hoje são descritas assim pelo autor: "Formadas, qualificadas, trabalhadoras entusiastas: elas são zelosas partidárias dos modelos contemporâneos de vida; e é graças ao seu apego ao trabalho, com mais de 40 horas semanais, que o sistema se mantém de pé. Mas é precisamente por essa mesma razão que elas entram em colapso". Elas sofrem da "doença do século".

Impulsionados pelo desejo de ser autônomos, fomos gradualmente nos tornando autômatos. Criamos o computador para nos auxiliar na busca da felicidade, mas nos tornamos seus infelizes dependentes. É neste contexto que surge o "esgotamento profissional": somos abatidos "pela exigência do sistema de produção, pela aceleração dos prazos finais, pelo aumento dos níveis de estresse, pela generalização dos instrumentos de controle, pelas restrições cada vez mais apertadas".

É a doença do excesso, que, em vez de aumentar os recursos, os extingue. É um cansaço que surge "entre vontade e tensões, um tédio que derruba o desejo de superação, de trabalhar com ardor pela realização pessoal". Em vez de nos ouvirmos, ficamos cada vez mais surdos às nossas reais necessidades, imersos numa surdez lancinante que nos despersonaliza. "O indivíduo sente um vazio dentro de si mesmo, que se propaga como um incêndio, transformando o vazio em terra queimada".

Cansados de Deus
 
A genialidade do livro enquadra este fenômeno atual numa categoria do antigo monaquismo: o fenômeno de estar "cansados de Deus", conhecido pela teologia espiritual como "acídia": "O esforço físico, o sono, a fome, as tentações mais frequentes e mais violentas, em ausência prolongada de consolações dos sentidos, um desânimo derivado de fracassos reais ou aparentes na luta contra o mal ou de advertências mais ou menos motivadas, a simples monotonia dos exercícios regulares e a necessidade natural de mudança podem estar na origem de uma crise".

A acídia é, para a vida espiritual, o que o esgotamento é para a vida cotidiana atual. A acídia é preguiça e insensibilidade perante a realidade de Deus. Ela não afeta a alma morna, mas a alma zelosa: "Sente-se dentro de si um pesado desgosto: deve-se mudar a si mesmo; as graças interiores que se desfrutavam com tanta alegria já não têm qualquer suavidade; a doçura de ontem já se transformou em grande amargor". Assim como "a im-percepção" de Deus na acídia, assim há no esgotamento "um constante questionar os valores dominantes, dando vida aos novos ‘ateus’ do tecnocapitalismo".

Reforma

Todos estes fenômenos exigem uma mudança de curso, uma reavaliação e uma transformação do estilo de vida. Temos que entender que "adaptar-se a este mundo significa ser capaz de adaptar o mundo aos nossos projetos" (Joseph Nuttin). O contrário é o cúmulo do vazio e da frustração: ser obrigados a mudar continuamente sem nunca conseguir realizar-nos.

Uma segunda característica da reação é começar a chamar as coisas pelo nome. A sobrecarga de trabalho não será superada enquanto for chamada hipocritamente de "estresse positivo". Curvar-se a medidas numéricas é chamado de "avaliação". Responder a uma infinidade de mensagens é chamado de "conectividade". Manter o telefone ligado 24 horas por dia é chamado de "acessibilidade". Obedecer a qualquer ordem é chamado de "reatividade". Arruinar os olhos passando mais de doze horas por dia em frente à tela do computador é chamado de "disponibilidade". Todas essas palavras estranhas pregam as pessoas nas suas cadeiras.

Percebemos que é urgente reformar esse estilo de vida quando hábitos desumanos se transformam em elogios: "Fulano trabalha como um trem de carga". Precisamos trabalhar como seres humanos, não como trens de carga! Precisamos reformar a nossa relação com as coisas a partir da cotação da moeda do tempo: o tempo da nossa vida é o nosso recurso mais precioso.

As relações humanas são muito mais necessárias do que as relações materiais. São elas a dimensão humanizadora da nossa vida.

Por Zenit

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O tempo é de Deus

 
"Vigiai pois, com cuidado sobre a vossa conduta: que ela não seja conduta de insensatos, mas de sábios que aproveitam ciosamente o tempo, pois os dias são maus". ( Ef 5, 15-17)

No afã de nossos dias, permeados de agitação e de uma carga maciça de informação, nem sempre estamos atentos à nossa conduta. Não seria de se estranhar, se de repente não soubéssemos mais qual a direção a seguir na vida, visto que há tantas propostas de caminhos...

Somos bombardeados de estímulos e distrações que redundam numa dispersão que não é produtiva, nem tampouco segura no que tange ao destino final de cada um de nós. "Os dias são maus", diz o Apóstolo, isso é, não há complacência, não é possível voltar nem um segundo atrás no tempo que nos é concedido. Sem que o queiramos, há uma ampulheta que mede nosso tempo e o escorre de forma voraz. O tempo perdido será sempre o tempo que não agregou nada à nossa salvação.

O Apóstolo Paulo, depois da conversão, torna-se consciente da preciosidade do tempo. Ele que perdera parte de sua vida perseguindo e condenando os cristãos, sente a urgência de aproveitar da melhor forma o tempo que lhe resta. E assim o fez, vivendo inteiramente a serviço do Evangelho de Cristo.

Mas nós, absortos em nossos afazeres, tocando a família adiante, a vida profissional e em sociedade, como vamos dar conta de ainda termos ciência se estamos ou não caminhando seguros rumo ao encontro com Deus?

As palavras do Apóstolo, sempre inspirado pelo Espírito Santo, são também para nós que estamos aqui em pleno século XXI. É uma proposta para todos nós, senão não seria inspirada pelo próprio Deus, que nunca excluiu ninguém dos seus planos de vida plena.

"Vigiai pois, com cuidado sobre a vossa conduta: que ela não seja conduta de insensatos, mas de sábios..."

O tempo é uma dádiva de Deus. Ninguém tem controle sobre ele, a não ser o Senhor do tempo, Aquele que o criou. Portanto, manipulá-lo com a intenção de que ele nos traga só benefícios materiais e bem estar é uma ilusão, porque ele se esvai, e um dia prestaremos conta deste tempo que nos foi concedido para que construamos o Reino de Deus hoje em nossa vida, e em sociedade. 

A vigilância de que fala Paulo, tem a ver justamente com este olhar para dentro de nós, numa análise que aponte se estamos comprometidos ou não com a vida, com o bem comum, com a paz, com respeito ao que não nos pertence, com respeito à sacralidade do outro, com a misericórdia e as obras de caridade, e tantas outras atitudes que nos fazem pessoas melhores, em harmonia com Deus e com a criação.

A sabedoria, a verdadeira, é um dom concedido por Deus aos que a procuram, não para serem melhores que os outros ou tirarem proveito pessoal dela, mas para servirem, para estenderem a mão aos que ainda não se abriram a ela. 

Não sejamos insensatos, os dias passam, e nós também. Finquemos a âncora da nossa vida, como Paulo, em Cristo. Imitemo-Lo com toda a força da nossa mente, da nossa vontade e do nosso coração. Não há barreiras para quem vive assim, não há impossíveis. Há sim, serenidade, paz, sentido e segurança no caminhar, pois como afirma o próprio Mestre, Jesus Cristo: "... sem mim nada podeis fazer". (Jo 15,5). Nada, é nada.

ISF