segunda-feira, 29 de abril de 2013

Não depender do tempo ou da sorte



Todos sabiam, no tempo de Jesus, que é imprudente construir a casa sobre a areia, no fundo dos vales, ao invés de fazê-lo no alto da rocha. Depois de cada chuva abundante se forma, com efeito, quase de imediato, uma torrente que varre as casas que encontra à sua passagem.
«Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática é como um homem sensato, que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não desabou, porque estava construída sobre a rocha.»
 
Com simetria perfeita, variando só pouquíssimas palavras, Jesus apresenta a mesma cena na negativa: «Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe em prática é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e ela desabou, e grande foi a sua ruína».
 
Construir a própria casa sobre areia quer dizer voltar a pôr as próprias esperanças e certezas em coisas instáveis e aleatórias que não se subtraem ao tempo e à sorte. Tais são: o dinheiro, o êxito, a própria saúde. A experiência coloca isso diante dos nossos olhos cada dia: é muito pouco o que basta – um pequeno coágulo no sangue, dizia o filósofo Pascal – para que tudo se derrube.
 
Construir a casa sobre a rocha quer dizer, ao contrário, fundar a própria vida e as próprias esperanças naquilo que «os ladrões não podem roubar nem a traça desfazer», sobre o que não passa. «Os céus e a terra passarão – dizia Jesus –, mas minhas palavras não passarão».
 
Construir a casa na rocha significa, muito simplesmente, construir em Deus. Ele é a rocha. Rocha é um dos símbolos preferidos da Bíblia para falar de Deus: «Nosso Deus é uma rocha eterna» (Is 26, 4); «Ele é a rocha, perfeita é sua obra» (Dt 32, 4).
 
A casa construída sobre a rocha já existe; trata-se de entrar nela! É a Igreja. Não, evidentemente, a que está feita à base de tijolos, mas a formada pelas «pedras vivas» que são os crentes, edificados na «pedra angular» que é Cristo Jesus. A casa na rocha é aquela da qual Jesus falava quando dizia a Simão: «Tu és Pedro e sobre esta pedra (literalmente ‘rocha’)» edificarei a minha Igreja (Mt 16, 18).
 
Fundar a própria vida sobre a rocha significa, portanto, viver na Igreja; não ficar fora só apontando o dedo contra as incoerências e os defeitos dos homens de Igreja. Do dilúvio universal se salvaram só poucas almas, as que haviam entrado com Noé na arca; do dilúvio do tempo, que tudo engole, só se salvam os que entram na arca nova que é a Igreja (cf. 1 P 3, 20). Isso não quer dizer que todos os que estão fora dela não se salvam; existe uma pertença à Igreja de outro tipo, «conhecida só a Deus», diz o Concílio Vaticano II com relação a quem, sem conhecer a Cristo, atua segundo os ditados da própria consciência.
 
Deus se serviu da palavra para comunicar-nos a vida e revelar-nos a verdade. Os seres humanos usam com freqüência a palavra para dar morte e esconder a verdade! 
 
Na introdução a seu famoso Dizionario delle opere e dei personaggi, Valentino Bompiani relata o seguinte episódio:
Um imperador chinês, interrogado sobre o que era o mais urgente para melhorar o mundo, respondeu sem duvidar: reformar as palavras! Queria dizer: devolver às palavras seu verdadeiro significado. Tinha razão. Há palavras que, pouco a pouco, foram esvaziadas completamente de seu significado original e cumuladas de um significado diametralmente oposto. Seu uso não pode mais que resultar prejudicial. É como pôr em uma garrafa de arsênico a etiqueta «digestivo efervescente»: alguém se envenenará. Os Estados se dotaram de leis severíssimas contra os falsificadores de moedas, mas de nenhuma contra a falsificação das palavras. A nenhuma palavra ocorreu o mesmo que à pobre palavra «amor». Um homem abusa de uma mulher e se justifica dizendo que o fez por amor. A expressão «fazer por amor» freqüentemente representa o ato mais vulgar de egoísmo, no qual cada um pensa em sua satisfação, ignorando totalmente o outro e reduzindo-o a simples objeto.
 
A reflexão sobre a palavra de Deus nos pode ajudar, como se vê, também a reformar e resgatar do vazio a palavra dos homens.
 
Pe. Raniero Cantalamessa OFM,  por Zenit, em maio de 2008.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Jesus: o "como se" desta vida




"Isto vos digo, irmãos: o tempo é breve. A partir de agora, aqueles que têm esposas vivam como se não as tivessem; aqueles que choram, como se não chorassem; aqueles que se alegram, como se não se alegrassem; aqueles que compram, como se não possuíssem; aqueles que usam os bens do mundo, como se não os usassem plenamente. Porque a figura deste mundo passa". (1 Cor 7,29-31) 
"Depois que João foi preso, Jesus foi para a Galiléia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: ‘O tempo foi cumprido e o reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no evangelho’. Passando à beira do Mar da Galileia, viu Simão e André, irmão de Simão, que lançavam a rede ao mar, pois eram pescadores. Jesus lhes disse: ‘Vinde e segui-me. Eu vos farei pescadores de homens’. E eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram. Um pouco adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que também estavam no barco a consertar as redes. E logo chamou-os. Também eles deixaram seu pai, Zebedeu, no barco com os ajudantes e foram atrás dele".  (Mc 1,14-20)

A resposta imediata dos primeiros discípulos chamados pelo Senhor mostra claramente o significado da exortação de Paulo a viver "como se" o que acontece ao nosso redor fosse, em si mesmo, completamente insignificante: "Isto vos digo, irmãos: o tempo é breve. E a figura deste mundo passa".         (1 Cor 7,29-31).
É claro que Simão, André, Tiago e João nunca teriam deixado o trabalho e a família se não fosse Jesus quem os chamasse.
Isso quer dizer que o desapego emocional do próprio mundo não pode ser compreendido sem um encontro com aquele por meio de quem "todas as coisas foram feitas", e sem o qual "nada foi feito de tudo o que existe".         (1 Jo , 3)
Quando um homem parte de casa para um lugar distante, de férias, ou para participar de uma convenção, ele se hospeda durante algum tempo num hotel. Ali ele come, dorme, usa o necessário para o dia-a-dia, conhece novas pessoas, e, no caso da convenção, participa ativamente nos trabalhos. Tudo isso é real e importante para ele, mas é temporário, de breve duração. Ele está ciente de que terá que retornar à sua cidade, à sua casa e ao seu trabalho, porque aquelas coisas é que são o seu mundo real.
Este "outro" mundo do hotel é alheio a ele. Ele usa todas as coisas dali "como se não as usasse plenamente" (1 Cor 7,31), porque elas não são suas e ele as terá que abandonar. Essa convenção, ou as férias, são apenas um parêntese na sua vida e em breve serão apenas passado.
A santa carmelita Teresa de Ávila comparava a existência terrena com o curto espaço de uma noite passada numa hospedaria ruim. Teresa certamente não desprezava este mundo, mas o conhecimento que lhe tinha sido concedido da sublimidade do Outro a fazia desejar a morte, como um parto necessário para começar a viver em plenitude a felicidade inefável do Reino dos Céus.
Por isso ela não considerava a morte como uma destruição da vida, mas como a sua meta cobiçada, como implicitamente anuncia o Evangelho: "O tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo". (Mc 1.14)
Tal como para Teresa, também para os primeiros discípulos tudo isso tem apenas um nome: Jesus Cristo. "Segui-me, e eu vos farei pescadores de homens. E eles deixaram imediatamente as redes e o seguiram"(Mc 4.17). O reino de Deus é seguir Jesus.
E é apenas pelo nome de Jesus que São Paulo nos exorta a viver o cenário passageiro deste mundo com um feliz e responsável desprendimento, animados e sustentados pelo pensamento da “definitividade” beata do Outro: "A partir de agora, aqueles que têm esposas vivam como se não as tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que se alegram, como se não se alegrassem..." (1 Cor 7,29-31).
O apóstolo dá um testemunho significativo na carta aos Filipenses: "Eu certamente não alcancei a meta, não cheguei à perfeição, mas estou correndo para conquistá-la, porque fui conquistado por Cristo Jesus. Irmãos, eu não considero ainda que cheguei à conquista. Tudo o que sei é isto: esquecendo o que está por trás de mim e voltado em direção ao que está na minha frente, eu corro para a meta, para o prêmio que Deus me chama a receber no céu, em Cristo Jesus" (Fil. 3,12-14).
Estas palavras vêm de um homem que está cheio da alegria de viver. Como os primeiros discípulos e todos os santos, Paulo foi capturado por Cristo não para abandonar a imagem deste mundo, mas para ser fermento misturado com ele.
Também para nós, na medida em que conseguimos viver "santos e irrepreensíveis diante dele no amor" (Ef 1.4), a comunhão em Cristo pode se tornar uma energia incontrolável para espalharmos a alegria do Evangelho pelo mundo inteiro.
O "ainda não" do Paraíso se torna um "já" na figura deste mundo, porque, de algum modo e sempre, "o viver é Cristo" (Fil. 1,21-23).
Isso nos ajuda a entender aquele "como se", que foi repetido cinco vezes e que nos soa completamente impossível do ponto de vista psicológico.
O que significa, para o marido, viver como se não tivesse mulher, e vice-versa? O que quer dizer, para aqueles que trabalham, viver como se não trabalhassem; para quem estuda, como se não estudasse; para aqueles que têm, como se não tivessem; para aqueles que vivem na imagem deste mundo, como se não vivessem? Significa viver e fazer todas essas coisas sem absolutizá-las como fins em si mesmas, mas usá-las como meios para fazer a vontade de Deus, realizando o Bem e anunciando com a própria vida o Evangelho do seu amor.

A alegria de viver está na Verdade e no Amor. E a Verdade e Amor é Cristo. Converter-se e crer no evangelho é exatamente isso.

Por Pe. Angelo del Favero para Zenit.

Cardiologista, o Pe. Angelo co-fundou em 1978 um dos primeiros Centros de Apoio à Vida perto da Catedral de Trento. Tornou-se carmelita em 1987 e sacerdote em 1991. Foi conselheiro espiritual no santuário de Tombetta, perto de Verona. Atualmente se dedica à espiritualidade da vida no convento carmelita de Bolzano, na paróquia de Nossa Senhora do Monte Carmelo.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Sem espaço para a família





Existe uma oração, de autoria de Pe. Alberione, intitulada “Oração da Família”. Ela foi composta visando os membros do Instituto Santa Família, ou seja, para casais que se consagram a Deus numa vida secular, ou que estão em processo de consagração .
A oração é muito bela, porque ao fazê-la, reconhece-se que neste caminho de amor e salvação, a consagração num Instituto de Vida Secular Consagrada, o casal pede a Jesus Mestre, que seu lar seja um berço das virtudes que animaram a vida do lar de Nazaré: piedade, obediência, caridade, honestidade de vida. Há um ponto, que eu considero fundamental no texto, que é: “que nossos filhos, que são nosso maior tesouro”... Essa expressão, “nosso maior tesouro”.
Quero falar desse tesouro que anda esquecido em tantos lares e das consequências deste esquecimento.

Até a metade do século passado, sabíamos bem que nossos filhos eram dons que Deus nos concedera, algo de extremo valor, vidas e almas que nos foram confiadas para que as tratássemos com todo o carinho, atenção e responsabilidade. A paternidade e a maternidade eram considerados como uma dádiva preciosa, porque nos fazem participantes do poder criador de Deus.

Lá pelos idos de 1968, essa consciência mudou. Sigmund Freud sonhava o dia em que fosse separada a geração dos filhos da estrutura familiar, algo que a partir de 68 vem se tornando frequente. Os filhos, desde então, vem se tornando não mais uma benção, mas um estorvo nos projetos de vida pessoal dos cônjuges. A gravidez passou a ser um impedimento à liberdade, e às vezes até motivo de se cometer o mais injusto dos atentados contra a vida: o aborto.

Quais as conseqüências destes comportamentos? Uma crise de autoridade generalizada que atinge crianças e jovens, que desconhecem a presença de seus pais como pessoas comprometidas pessoalmente em seu desenvolvimento. Na Inglaterra algumas crianças têm pedido ao Papai Noel por um pai, outras pedem simplesmente um irmãozinho. Os filhos passaram a ser considerados por seus pais como “mercadoria”, um sonho de consumo que se determina quando se quer, e quando não se quer, fruto de cálculo, e não de amor.

Assim se tem desconfigurado a família, e arruinado a educação dos filhos. Os pais não têm tempo para se dedicarem aos filhos, e os enviam cada vez mais cedo à escola, esperando que lá eles recebam os valores que deveriam receber deles.

Precisamos urgentemente restaurar a família como núcleo formador de pessoas que experimentam o amor em casa, porque os enxergam em seus pais, porque são prioridade em seus lares. Não é fácil, evidentemente, mas sem empenho não teremos uma sociedade comprometida com a vida, com valores e especialmente com a fé.

Olhemos como se comportava a Sagrada Família. Quando Jesus perdeu-se no templo, Maria, ao encontrá-lo, questiona seu comportamento, mesmo sabendo que ele é Deus, e que era maduro suficiente para agir daquela forma. Jesus se justifica plenamente, mas retorna com os pais para casa e continua submisso a eles.

Amor por parte dos pais, obediência por parte dos filhos. Assim nos ensina a família de Nazaré. Encomendemo-nos a eles dizendo:

Jesus, Maria e José, a nossa família vossa é!!

Malu

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Apostolado do sorriso



A vida em comunidade - podemos incluir também a vida matrimonial - é um desafio. Em primeiro lugar, porque por mais que nos esforcemos em manter o ambiente positivo há sempre agentes externos e imprevisíveis, que podem por tudo a perder. Depois, porque existem as tensões habituais que procedem das diferenças na personalidade entre as pessoas, e necessitam apenas de uma pequena faísca para se tornarem um grande desastre.


Junte-se a isso o peso da rotina que gera estresse e até doenças. Podemos afirmar, portanto, que o dia a dia do homem e da mulher modernos dá espaço de sobra para o mau humor.

Hoje precisamos redescobrir a beleza da vida diária. O insuportável do viver de cada dia vem da carência de alegria nas coisas que fazemos, experimentamos ou vivemos. Que tal o remédio do bom humor, da gentileza e da compreensão? Quantos problemas se solucionariam se evitássemos os maus modos e exercitássemos o apostolado do sorriso! Faça a experiência de sorrir para as pessoas desconhecidas, ou praticar gentilezas no trânsito: você vai se surpreender com a reação dos outros, e com certeza isso fomentará a alegria gratuita que é fruto do bem. 


O humor tem sido objeto de estudo desde a filosofia antiga, passando pela teologia, até a psicologia moderna. Não faltam exemplos de santos, como Felipe Neri e João Bosco, que fizeram do regozijo e do júbilo os veículos da sua pastoral e do seu contato com os outros. Aqui estamos tratando do bom humor não como atitude jocosa, mas como “coisa séria”, como pretensão de sentido, de delicadeza e de humanidade. 

O bom humor é a capacidade de carregar serena e valentemente as cargas da vida. É saber achar em cada instante o lado amável da cotidianidade. Isso é muito importante para a maturidade pessoal e para a vida de fé. A este respeito, Xavier Zubiri, filósofo espanhol, dizia que a pessoa tem que “esculpir a sua própria estátua”. Isto pode se realizar de diversas formas: sendo-se muito estrito em tudo e vivendo-se de mau humor, de angústia, de sofrimento; outra maneira é empenhar-se no voluntarismo que endurece o coração e o caráter; mas há uma terceira via, que é a integração e a superação das dificuldades da vida, e é nisto que se baseia o segredo do bom temperamento. Sem ele, a pessoa fica propensa às enfermidades da alma, que, com tanta frequência, atacam a nossa sociedade. 

O bom humor nos faz ver a realidade do dia-a-dia com um sereno distanciamento. É a atitude de colocar as coisas no seu lugar, de relativizar o que achávamos absoluto, de nos livrarmos dos falsos ídolos, de rir das nossas próprias conquistas e de nós mesmos. Para isso, é preciso ter muita simplicidade e humildade de espírito. Só é alegre – e não simplesmente contente - quem reconhece a sua finitude, se abre para os outros e não fica encerrado na autossuficiência. 

O humor é também a capacidade de compreender o ponto de vista do outro e, ao mesmo tempo, de ter criatividade diante dos choques inevitáveis: é saber sair de situações difíceis. Isto impede o ressentimento e o isolamento, através de atitudes como medir as palavras, controlar os silêncios, possuir elementos positivos no próprio interior e comandar as rédeas de si mesmo. 

Destaco, para terminar, que o bom caráter implica a afirmação da liberdade pessoal, a negação de determinismos cegos e a admissão de um sentido profundo da vida. No caso cristão, tudo isto surge da fé em um Deus que é Amor, que nos deu a salvação eterna em seu Filho e que nos sustenta com a ajuda do Espírito Santo. Deus não é uma alternativa que exclui o bom humor! Como diz Bento XVI, “Deus não estorva a nossa vida cotidiana” (A infância de Jesus, p. 109). 

Reflexão sobre texto de Dom Juan del Río Martín, Arcebispo castrense da Espanha. 


segunda-feira, 1 de abril de 2013

Um verdadeiro lar cristão




Acompanhe na seção, Casais que alcançaram a santidade, a história de Lelia e Ulisse: um casal de italianos que soube fazer de seu lar um berço de vocações. Na singeleza dos pequenos atos, adornados de fé e de religiosidade, eles souberam formar um ninho de amor e de paz.