Todos
sabiam, no tempo de Jesus, que é imprudente construir a casa sobre a areia, no
fundo dos vales, ao invés de fazê-lo no alto da rocha. Depois de cada chuva
abundante se forma, com efeito, quase de imediato, uma torrente que varre as
casas que encontra à sua passagem.
«Portanto,
quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática é como um homem sensato,
que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os
ventos deram contra a casa, mas a casa não desabou, porque estava construída
sobre a rocha.»
Com
simetria perfeita, variando só pouquíssimas palavras, Jesus apresenta a mesma
cena na negativa: «Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe
em prática é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia.
Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e
ela desabou, e grande foi a sua ruína».
Construir
a própria casa sobre areia quer dizer voltar a pôr as próprias esperanças e
certezas em coisas instáveis e aleatórias que não se subtraem ao tempo e à
sorte. Tais são: o dinheiro, o êxito, a própria saúde. A experiência coloca
isso diante dos nossos olhos cada dia: é muito pouco o que basta – um pequeno
coágulo no sangue, dizia o filósofo Pascal – para que tudo se derrube.
Construir
a casa sobre a rocha quer dizer, ao contrário, fundar a própria vida e as
próprias esperanças naquilo que «os ladrões não podem roubar nem a traça
desfazer», sobre o que não passa. «Os céus e a terra passarão – dizia Jesus –,
mas minhas palavras não passarão».
Construir
a casa na rocha significa, muito simplesmente, construir em Deus. Ele é a
rocha. Rocha é um dos símbolos preferidos da Bíblia para falar de Deus: «Nosso
Deus é uma rocha eterna» (Is 26, 4); «Ele é a rocha, perfeita é sua obra» (Dt
32, 4).
A casa
construída sobre a rocha já existe; trata-se de entrar nela! É a Igreja. Não,
evidentemente, a que está feita à base de tijolos, mas a formada pelas «pedras
vivas» que são os crentes, edificados na «pedra angular» que é Cristo Jesus. A
casa na rocha é aquela da qual Jesus falava quando dizia a Simão: «Tu és Pedro
e sobre esta pedra (literalmente ‘rocha’)» edificarei a minha Igreja (Mt 16,
18).
Fundar a
própria vida sobre a rocha significa, portanto, viver na Igreja; não ficar fora
só apontando o dedo contra as incoerências e os defeitos dos homens de Igreja.
Do dilúvio universal se salvaram só poucas almas, as que haviam entrado com Noé
na arca; do dilúvio do tempo, que tudo engole, só se salvam os que entram na
arca nova que é a Igreja (cf. 1 P 3, 20). Isso não quer dizer que todos os que
estão fora dela não se salvam; existe uma pertença à Igreja de outro tipo,
«conhecida só a Deus», diz o Concílio Vaticano II com relação a quem, sem
conhecer a Cristo, atua segundo os ditados da própria consciência.
Deus se
serviu da palavra para comunicar-nos a vida e revelar-nos a verdade. Os seres
humanos usam com freqüência a palavra para dar morte e esconder a verdade!
Na
introdução a seu famoso Dizionario delle opere e dei personaggi, Valentino
Bompiani relata o seguinte episódio:
Um
imperador chinês, interrogado sobre o que era o mais urgente para melhorar o
mundo, respondeu sem duvidar: reformar as palavras! Queria dizer: devolver às
palavras seu verdadeiro significado. Tinha razão. Há palavras que, pouco a
pouco, foram esvaziadas completamente de seu significado original e cumuladas
de um significado diametralmente oposto. Seu uso não pode mais que resultar
prejudicial. É como pôr em uma garrafa de arsênico a etiqueta «digestivo
efervescente»: alguém se envenenará. Os Estados se dotaram de leis severíssimas
contra os falsificadores de moedas, mas de nenhuma contra a falsificação das
palavras. A nenhuma palavra ocorreu o mesmo que à pobre palavra «amor». Um
homem abusa de uma mulher e se justifica dizendo que o fez por amor. A
expressão «fazer por amor» freqüentemente representa o ato mais vulgar de
egoísmo, no qual cada um pensa em sua satisfação, ignorando totalmente o outro
e reduzindo-o a simples objeto.
A reflexão
sobre a palavra de Deus nos pode ajudar, como se vê, também a reformar e
resgatar do vazio a palavra dos homens.
Pe. Raniero Cantalamessa OFM, por Zenit, em maio de 2008.