quinta-feira, 18 de agosto de 2022

A oração do ateu

Ateu americano cria polêmica ao acusar o novo ateísmo de elitista

Orare, no latim, originalmente significa “pronunciar uma fórmula ritual, um pedido”. Dada a influência do latim na Igreja, enfatizou-se o sentido de suplicar a Deus, rezar. No grego, atheos significa “sem Deus, que nega e abandona os deuses”. Quem não crê em Deus ou em qualquer “ser superior” é ateu. De alguma forma, todos, incluindo os ateus, temos sempre ligação com a raiz do nosso ser, que nada mais é do que a ligação com o Criador. 

“Sou ateu, graças a Deus” é uma expressão do cineasta Luis Buñuel, criada para criticar a religiosidade. Uma espécie de questionamento da possibilidade do contato (re-ligar) com o Criador sem uma profissão de fé e fora do ambiente religioso. Uma provocação irônica, que nega e, ao mesmo tempo, coloca Deus em relevo. Nela, coexistem o esforço de negar e o imperativo impulso de aceitar, pela força da própria existência de Deus e da nossa relação intrínseca com o Criador. 

Na relação de amor, na busca da origem, ainda que apenas no intelecto, nos aproximamos do divino, e este é um modo de tocar o eterno, a raiz da nossa criação. Os poetas, escritores, artistas plásticos, muitas vezes revelam verdades profundas em suas obras, acerca de realidades que eles mesmos desconhecem. 

A arte pode expor a Deus até mesmo sem a consciência do autor. 

Oração é também silêncio e introspecção no nosso mundo barulhento e superficial, e assim propõe Gilberto Gil: “Se eu quiser falar com Deus/Tenho que ficar a sós/Tenho que apagar a luz/Tenho que calar a voz”. 

Ernst Bloch é outro que invoca concepções de ateísmo e religiosidade, como filósofo das utopias e esperanças, para provocar uma libertação do crente diante de certas correntes de formalidade, e afirma: “Só um ateu pode ser um bom cristão”. 

Na minha juventude, fiquei profundamente impressionado com a conversão de André Frossard (filho de um dos fundadores do Partido Comunista da França), a partir de um contato casual com a oração de piedosas senhoras, enquanto rezavam o Terço diante do Sacrário. Entrara naquela igreja apenas para mostrar a beleza do templo ao seu amigo arquiteto. Ateu até aquele momento, relata sua adesão à fé no livro: “Deus existe – eu O encontrei” (Editora Record, 1969). 

Nas várias circunstâncias da vida, diante das inúmeras possibilidades que podem emoldurar o nascimento de uma pessoa neste ou naquele ambiente cultural e religioso, sempre imaginei um Deus Amor, que salva justamente pelo amor que podemos colocar em nossas atitudes, muito mais do que pela formalidade delas. 

A inserção na Igreja, a partir da fé, é uma graça incomensurável, mas que pode, por variados motivos, não se dar da mesma maneira para todos. Mas o amor intrínseco de Deus que existe na natureza das pessoas, pois inerente ao Criador e parte das criaturas, este é universal. E o amor tudo pode. 

O Catecismo da Igreja Católica (No 1023) diz que “os que morrerem na graça e na amizade de Deus e estiverem perfeitamente purificados, viverão para sempre com Cristo”. Quem ama vive na amizade com Deus, pois pratica o mandamento maior: “Amar uns aos outros como Eu vos amei”. O amor purifica. Deus é o único que sabe os caminhos de cada um de nós. 

Como canta Renato Teixeira: 

“Me disseram, porém, que eu viesse aqui 
Pra pedir de romaria e prece 
Paz nos desaventos
Como eu não sei rezar, só queria mostrar 
Meu olhar, meu olhar, meu olhar”. 

Luiz Antonio Araujo Pierre, membro do Movimento dos Focolares. Professor e advogado. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Bomba atômica, holocausto de 1945: hoje, uma terrível ameaça

Há 77 anos, de 6 a 9 de agosto de 1945, duas cidades japonesas foram destruídas por uma arma devastadora: a bomba atômica. O Secretário-geral da ONU, António Guterres, declara: "A humanidade está brincando com uma arma carregada"

 

As cidades de Verona na Itália, Popayán na Colômbia, Kehancha no Quênia, Tambov na Rússia e Kherson na Ucrânia, tão distantes e diferentes entre si, têm algo em comum: seu número de habitantes é, mais ou menos, o mesmo da população de Hiroshima, em 1945.

Quase 255 mil pessoas viviam nesta capital portuária do Japão, quando, em 6 de agosto de 1945, uma tempestade tórrida ocorreu pelo lançamento de uma bomba atômica de urânio pela Aeronáutica Militar dos EUA. Uma tragédia, gravada na memória mundial, um testemunho também para o nosso tempo, não imune do risco de uma nova catástrofe, de outro holocausto.

Hiroshima e depois Nagasaki, outra metrópole japonesa, que experimentou o horror do poder militar atômico, não devem ser um capítulo dramático passado. Trata-se de um alerta constante, para que outras cidades não sejam alvo de uma das mais de 12.700 ogivas nucleares, espalhadas em várias regiões do mundo.

A maioria das bombas atômicas, atualmente disponíveis, são bem mais poderosas do que as utilizadas na II Guerra Mundial: podem semear morte e destruição, em poucos instantes, com consequências potenciais, bem mais impressionantes e dramáticas ao longo das décadas, comprometendo a vida de várias gerações.

A humanidade está brincando com uma arma carregada

Por ocasião da cerimônia de comemoração do 77º aniversário da bomba atômica, em Hiroshima, o Secretário da ONU, António Guterres, fez um apelo, pedindo a suspensão do aumento dos estoques de armas nucleares, alertando que, várias crises com "perigosas nuanças nucleares" estão se espalhando rapidamente pelo mundo.

Falando no Parque “Memorial da Paz de Hiroshima”, o Secretário-geral da ONU disse: "As armas nucleares não têm sentido. Após três quartos de século, devemos nos perguntar: o que aprendemos com a nuvem de cogumelo que se levantou sobre esta cidade, em 1945? Crises, com graves implicações nucleares, estão se espalhando rapidamente, do Oriente Médio à Península Coreana e à invasão russa da Ucrânia. A humanidade está brincando com uma arma carregada".

Papa: “Não se pode obter a paz com o equilíbrio do terror”

Durante seu Pontificado, o Papa Francisco recordou várias vezes: “As armas nucleares são arsenais que ameaçam a humanidade, a nossa Casa comum; não são baluartes da lógica da dissuasão, mas possíveis 'portas de um abismo’, no qual toda a família humana pode se precipitar, improvisamente”.

Francisco reiterou isso, recentemente, também em um Twitter, por ocasião da Conferência da ONU sobre a “Revisão do Tratado de não Proliferação das Armas Nucleares” (TNP), em andamento em Nova Iorque até o próximo dia 26 de agosto: “O uso de armas nucleares, bem como a sua posse, é imoral. Tentar assegurar a estabilidade e a paz, através de um falso senso de segurança e de um ‘equilíbrio do terror’, pode, inevitavelmente, causar relações nocivas entre os povos e impedir o verdadeiro diálogo".

Uma ameaça real

Maurizio Simoncelli, vice-presidente e co-fundador do “Instituto de Pesquisas Internacionais, Arquivo Desarmamento” (IRIAD), disse à Rádio Vaticano - Vatican News: "Vemos, infelizmente, que o possível uso das armas atômicas está sendo contemplado nas doutrinas estratégicas dos países que possuem armas atômicas".

Dia 6 de agosto de 1945, foi lançada uma bomba atômica sobre a cidade de Hiroshima, no Japão. Três dias depois, outra bomba atômica também caiu sobre Nagasaki. O que estes acontecimentos, que, aparentemente, parecem distantes de nossas vidas, podem nos dizem hoje?

“Recordam-nos que as armas nucleares não são apenas uma ameaça hipotética, mas um fato que ocorreu historicamente. Hoje, o conflito na Ucrânia é um sinal de que a bomba atômica é uma ameaça real. Vemos, infelizmente, que o possível uso das armas atômicas está sendo contemplado nas doutrinas estratégicas dos países que possuem armas atômicas. Uma eventual autodestruição da nossa civilização está sempre à espreita para nos atacar”.

A Conferência da ONU sobre a “Revisão do Tratado de não Proliferação das Amas Nucleares”, em andamento em Nova York, realiza-se em um momento crítico. O cenário mais alarmante, mas não único, diz respeito, precisamente, à guerra na Ucrânia. O conflito neste país do Leste Europeu, portanto, não é o único que causa de risco?

“Absolutamente não. Na Conferência de “Revisão de não Proliferação Nuclear”, de 2015, que ocorreu em um clima completamente diferente do atual, também não se chegou a uma decisão positiva no âmbito de um processo de desarmamento. Após 50 anos da entrada em vigor do “Tratado de não Proliferação Nuclear”, 12.700 ogivas nucleares ainda existem no mundo. Estas armas ameaçam, realmente, a vida em nosso planeta. Notamos também a uma modernização dos porta-aviões, com aeronaves cada vez mais sofisticadas, mísseis hipersônicos e a aplicação da inteligência artificial até no setor militar nuclear. É difícil imaginar que esta Conferência da ONU sobre a “Revisão de não Proliferação Nuclear” possa chegar a algum resultado positivo”.

Neste clima de tensão, a invasão russa, que começou em fevereiro, poderia levar alguns países a rever sua decisão de renunciar às armas nucleares...?

“Este poderia ser um dos efeitos desta crise. Não devemos esquecer que, no período da Guerra Fria e do desarmamento, ocorrido no início da década de 1990, a Ucrânia e outros países renunciaram às armas atômicas, que faziam parte do antigo arsenal soviético. A decisão foi tomada para que as armas atômicas não fossem usadas e que esses países não seriam ameaçados por terem aderido a um processo de desarmamento. Hoje, porém, vemos, como lição histórica, que aqueles que mantiveram suas armas nucleares o fizeram por "segurança".”

O Papa Francisco afirmou várias vezes, em seu Pontificado, que “o uso de armas nucleares, bem como a sua posse, é imoral... e o equilíbrio do terror não pode ser a garantia de um mundo pacífico...”.

“O Papa Francisco levantou, muitas vezes, sua voz contra as armas nucleares e contra as guerras. É evidente que a busca da supremacia militar, mesmo no setor nuclear, não pode ser a que trará a paz ao mundo. Quando um país ou uma coalizão de Estados tenta afirmar a supremacia militar, prepara o cenário de um mecanismo, pelo qual outros países se sentem ameaçados e, por isso, não há mais uma segurança compartilhada. Pelo contrário, há uma insegurança compartilhada, uma nova corrida aos armamentos, como, infelizmente, notamos há vários anos”.

Amedeo Lomonaco - Cidade do Vaticano