sábado, 29 de junho de 2024

Reflexão para a Festa de São Pedro e São Paulo

 

Quando desejamos refletir bem, sem influência alguma de pessoas ou situações, nos retiramos para um local afastado e silencioso. Queremos estar a sós conosco na natureza e na presença de Deus. Foi o que Jesus fez com seus discípulos quando escolheu aquele que iria governar seu rebanho. O Senhor se dirigiu com eles a Cesaréia de Filipe, um lugar afastado do mundo judeu e significativo pela natureza, próximo ao monte Hermom e a uma das fontes do Jordão.  Lá, na solidão e apenas na presença do Pai, checou o coração de Simão e o fez seu vigário. O eleito estava tão purificado, tão livre de apegos e amarras mundanas e tão cheio do Espírito que declarou a identidade de Jesus, reconhecendo-o como o Messias de Deus.

Por outro lado, Jesus confirmou seu nascimento na fé, dando-lhe outro nome, o de Pedro, pedra e indicando seu novo e definitivo encargo: confirmar seus irmãos na fé.

Além de graças para viver plenamente essa missão, Pedro as recebeu também para levá-la até o fim, quando dará glória a Deus através de sua morte na cruz, como o Mestre, só que de cabeça para baixo.

Simão nasceu de novo, recebeu outro nome, outra função na sociedade, aumentou enormemente seu compromisso na fé. Ao entregar-se na condução de seus irmãos, Pedro viveu momentos de alegria e de tristeza, de certezas e de abandono total na fé. O que passou a guiar sua vida, a ser fiel na missão recebida e abraçada foi a certeza da fidelidade do Senhor. Agora Pedro vai deixando Deus ser o oleiro, fazer dele um homem à imagem de Jesus. Por isso ele é pedra, não por causa de sua dureza, mas por causa de sua solidez e confiabilidade. Da dureza da pedra Pedro apenas guardou a resistência às investidas do inimigo. Nada pode vencê-lo.

Como chefe da Igreja, Pedro recebeu o poder de ligar e desligar, isto é, declarar o que está de acordo ou em desacordo com o projeto de Jesus. Por isso ele foi sempre esse homem renascido para a missão. Não será por este motivo que os papas mudam de nome?

Mas hoje também é o dia de São Paulo, a outra coluna da Igreja. Pedro é a coluna que nos confirma na fé e Paulo é a que evangeliza.

A liturgia nos propõe como reflexão a carta a Timóteo, onde o Apóstolo faz seu testamento e a revisão de sua vida cristã. De qualquer modo, Paulo, antes da conversão Saulo, também será assemelhado a Jesus, vítima sacrificada em favor de muitos. Ele deduz que o momento de seu martírio, de dar testemunho de Deus, está próximo.

Nessa ocasião foi feita a revisão de vida. Paulo teve consciência de que foi fiel à missão, que cumpriu o encargo de anunciar ao mundo o Evangelho. Teve consciência do quanto sofreu e padeceu por esse motivo e agradeceu a Deus por ter guardado a fé.

Em seguida Paulo expressou sua certeza no encontro com o Senhor, quando então será recompensado por tudo, através da convivência eterna com Ele.

Festejar os santos é praticar seus ensinamentos e seguir seus testemunhos de fé.

Que o Senhor nos ajude a louvar São Pedro e São Paulo, fazendo com que cada dia, cada despertar nós seja par nós um novo dia, o reinício da vida nova iniciada com o nosso batismo. Para isso é necessário abandonarmo-nos nas mãos de Deus, permitindo a Ele nos refazer, nos moldar segundo seu coração e confiando no resultado final que, como Paulo, só veremos no final da vida.

Que as alegrias e os êxitos, as dificuldades e os sofrimentos do dia-a-dia não impeçam nosso crescimento na fé, mas amadureçam e solidifiquem a ação do Espírito.

Finalmente, sirva-nos de referencial para a fidelidade a Cristo e sua Igreja, a conformidade de nossa vida aos ensinamentos de Pedro.

Que a celebração dessas duas colunas da Igreja seja uma ocasião de graças para o crescimento do Reino de Deus de nossa vida cristã!



 
Pe.Cesar Augusto SJ

 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Conselhos de um monge do deserto

Santo Antonio do Deserto ou Antão do Egito | Arquidiocese de São Paulo

Esses apotegmas (ditos, aforismos, máximas) – ditos – são do Padre do Deserto Pai Antônio, O Grande.

Muito temos a aprender com esses homens que enebriados pelo amor a Deus e pelo desejo de tornar real o motivo da nossa existência, ou seja, conhecer, amar e servir a Deus; foram para o deserto e lá se encontraram consigo mesmos e sua limitações, travaram inúmeras batalhas, principalmente com os maus pensamentos e comportamentos e por fim se tornaram grandes mestres. É realmente uma pena que muitos tenham se esquecido da grande fonte de ensinamentos que os padres nos oferecem, ensinamentos fundamentados na experiência, em vivências reais de homens santos.

Se o ferro é negligenciado e não recebe a manutenção devida, à força de permanecer sempre abandonado sem servir a nada, acaba comido pela ferrugem e já não tem mais nem utilidade nem beleza. O mesmo acontece com a alma. Se ela permanece inerte, se não se dedica a viver na virtude e a se voltar para Deus, se ela se priva da proteção divina por causa de suas más ações, em sua negligência ela se destrói sob o efeito do mal que ataca a matéria do corpo como o ferro se destrói sob o efeito da ferrugem, e não possui mais nem beleza, nem utilidade em vista da salvação.

Dentre aqueles que se encontram num albergue, alguns recebem um leito, outros não o obtêm e deitam-se no chão, onde roncam tanto quanto os que dormem em sua cama. Após passarem a noite e deixarem pela manhã os leitos, eles partem juntos, cada qual levando apenas o que possui. O mesmo acontece com todos os que chegam a este mundo. Tanto os que viveram pobremente quanto aqueles que passaram a vida entre a glória e a riqueza, todos saem da vida como do albergue. Eles não levam consigo nada daquilo que fazia as delícias e a riqueza do mundo. Eles não levam senão suas próprias obras, boas ou más: aquilo que fizeram durante a vida.

Os homens não devem adquirir nada de mais. Se por acaso eles têm muito, será bom para eles saber que tudo nesta vida é, por natureza, corruptível, tudo desaparece facilmente, se degrada e se destrói. Assim, eles não devem se inquietar com o que quer que aconteça.

A marca da alma dotada de razão e virtuosa está no olhar, no caminhar, na voz, no riso, nas ocupações e nas conversas. Pois tudo se transforma e se readapta para se tornar mais nobre. O intelecto amado por Deus guarda suas portas, vigilante e sóbrio, interditando a entrada à infâmia dos maus pensamentos. 

O homem é o único ser capaz de receber a Deus. Ele é o único, dentre os seres vivos, com quem Deus conversa, à noite por meio dos sonhos, de dia através da inteligência. Assim, continuamente, Ele anuncia e apresenta previamente aos homens que são dignos disto os bens que os esperam.

A coroa da incorruptibilidade, a virtude, a salvação do homem, consiste em suportar as adversidades com coragem e gratidão. Dominar a cólera, a língua, o ventre e os prazeres, é também um grande auxílio para a alma.

terça-feira, 4 de junho de 2024

Gozo da vida e perda do senso de transcendência

 Renascença - Os períodos da História da Música II

A concepção naturalista de vida que o homem renascentista possuía não se restringia ao espírito. Também fisicamente ele julgava que deveria ser perfeito. Seu ideal era ter saúde de ferro, compleição corporal esplêndida, ser ótimo caçador, abater javalis como quem mata formigas, saltar do cavalo, encontrar uma dama, fazer uma reverência e cantar um madrigal.

Depois de banquetear-se abundantemente, ir dançar como se nada tivesse comido. E, à noite, dormir um sono tranquilo. Eis o tipo clássico do renascentista.

Quase todos os monarcas da França daquele tempo eram grandes caçadores, guerreiros exímios, esplêndidos bailarinos, ótimos conhecedores de toda espécie de literatura e, em suas horas vagas, reis também.

Ademais, deviam ser falsos, dominadores e severos, mas, paradoxalmente, indulgentes para com certos vícios. Essa era a figura do rei perfeito.

Versão feminina do monarca, havia a rainha perfeita: majestosa, bela, distinta, inteligente, faceira e vaidosa. Não se exigia dela que cuidasse dos pobres, como o fazia Santa Isabel da Hungria, nem que fosse boa dona de casa, o que era ofício da criadagem. Bastava que se tornasse um excelente bibelô de salão.

O mesmo deveria dar-se, a seu modo, em todos os degraus da estrutura social.

Vida festiva, alegre e lampeira

Em suma, o renascentista é um tipo brilhante, inteligente, conversador, que tem uma obrigação de riso permanente.

Há diferentes modos de rir e poder-se-ia, mesmo, fazer a história através do riso: o riso discreto, o vulgar, a gargalhada boçal… O do homem da Renascença deveria ser um riso olímpico, prateado, cheio de orgulho e de condescendência, que sai dos lábios como uma música e repercute agradavelmente pelos lustres e pelos espelhos, sem cair até o chão.

Disto estão repletos os quadros que a Renascença nos legou: uma atitude superior, sobranceira, desdenhosa e otimista em relação à vida.

Como reflexo desse culto ao brilho pessoal, os salões tomam cada vez mais aspectos festivos, que atingirão o seu paroxismo no rococó, surgido no século XVIII.

Desaparece a noção de santidade

Naturalmente, em meio a tudo isto, vai deixando de existir a noção de santidade. Todos os homens, porém, têm coisas que eles reputam como ideais.

E os tipos representativos da sociedade, em lugar de serem santos, passam a ser pessoas dotadas daquilo que o renascentista chamava de “virtude”, e que o homem dos séculos XVII e XVIII veio a designar de “honestidade”.

A “virtude”, como eles a entendiam, não se encontra mais na pessoa boa que caminha para a sua verdadeira finalidade, mas naquela capaz de ganhar as grandes corridas da vida.

Esse modo de ser tem uma repercussão política curiosa. Ao se tomar como princípio que o homem completo é o possante e dominador, todo soberano, para ser perfeito, necessariamente deve pôr sua glória na guerra, que se apresenta, para o renascentista, não como um desastre, mas um modo de realizar este ideal.

Portanto, o conflito armado não será mais um ato que pode envolver pecado (a guerra injusta o é), mas uma brilhante aventura e quase um ato social onde, levado pelo otimismo, está-se mais ou menos certo que não se morrerá.

O rei não seria digno do cargo se não caminhasse para a batalha certo da vitória. Por isso, ele vai à guerra levando a corte, as senhoras, baixelas de ouro, prataria, toalhas de seda e rendas, e até orquestra.

Quando ele realiza um grande cerco, todas as senhoras, esposas e noivas dos oficiais vão apreciar, de uma certa distância, os belos feitos.

Os confrontos tomam o aspecto de uma bonita cavalgada, em que o rei se mostra olímpico. Se vencer merecerá a honra. Se perder, a desonra. Entretanto, não se cogita é se a guerra é justa, pois só o feito brilhante interessa. Nasceu, então, o militarismo e o nacionalismo. A ideia da autêntica fraternidade entre as nações cristãs desaparece.

Absolutismo e nacionalismo exacerbado

Em termos de política interna, esse mesmo espírito tem outras manifestações. Nesse tempo de admiração do homem olímpico, não se concebe respeito nem admiração pelos mais fracos. O rei olímpico não se sente obrigado a defender os direitos dos súditos. Pelo contrário, o próprio dele é ser o homem que consegue esmagar todos os outros.

Se há grandes senhores no seu reino, precisa achatá-los para provar que é poderoso. Se existem cidades ou corporações autônomas, deve reduzi-las à escravidão para provar que é um triunfador. Se há restos de liberdade, ele os extinguirá para mostrar que seu poder é colossal. E, enquanto ele domina, todos o admiram.

Deste estado de espírito olímpico, devia brotar necessariamente o absolutismo e originar-se o ocaso da sociedade orgânica medieval.

Olimpismo, naturalismo, complacência para consigo mesmo, no campo pessoal; no plano político, totalitarismo, nacionalismo exacerbado e espírito beligerante: eis algumas características marcantes do espírito da Renascença.

A partir dela, outras épocas históricas foram se sucedendo, com suas características específicas, até os nossos dias. As manifestações do espírito peculiar a cada uma dessas fases históricas, entretanto, têm um denominador comum: a volúpia pelo gozo da vida, e a perda do senso da transcendência que fez a glória da Idade Média.[1]

O verdadeiro católico deve se compenetrar de que não nasceu para o prazer, mas para o heroísmo. Diz a Sagrada Escritura que “a vida do homem sobre a terra é uma luta” (Jó 7, 1).

De fato, o homem é criado para conhecer, amar, servir a Deus e, assim, salvar sua alma. Para alcançar esse supremo fim, precisa batalhar continuamente contra suas más inclinações e os inimigos declarados ou velados de Deus e de sua Santa Igreja.

Peçamos a Nossa Senhora que nos obtenha as graças necessárias para enfrentarmos essa guerra com ânimo forte e confiança inabalável.

Por Paulo Francisco Martos