terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Dezembro, entre Deus e o diabo


Nenhum outro mês é como dezembro. A iminência das festas de final de ano, a chegada das férias escolares, as comemorações “da firma”, os balanços anuais e os planos para um novo ano... Num frenesi de emoções contrastantes, corremos tanto para preparar nossos momentos felizes que nos arriscamos a esquecer de porque estes momentos deveriam ser felizes. Nos afanamos tanto em preparar nossas festas que não saboreamos sua razão de ser.

A Igreja, em sua sabedoria milenar, dedicou esse mês à interiorização do Advento, para a redescoberta das razões pelas quais fazemos as coisas, preparação para encontrar Deus como um singelo e desprotegido bebê. Esse deveria ser o tempo do retorno ao lar, quando os distantes voltam para suas famílias, os solitários redescobrem o amor, os pobres e os que sofrem são acolhidos com justiça e ternura, os filhos reencontram o Pai. 

Mas um habilidoso demônio preencheu dezembro com atividades estafantes e tediosas. Usando amores falsos, vendidos e até cínicos, conspurcou a memória do Amor e dos amores verdadeiros. Desvirtuou as festas, que deixam de celebrar a alegria e se tornam uma duvidosa catarse do vazio e da falta de sentido.

A questão não é só de uma festa mal comemorada. As festas celebram a vida. Uma festa mal comemorada representa uma vida mal vivida. Assim, uma cruel desumanidade, como sombra sutil, nos acompanha nesse tempo de maravilhas, transformando a Beleza em fantasia inconsequente. 

Nós, cristãos, nos acostumamos a criticar a mercantilização do Natal em nossa sociedade. É justo, mas com esse foco não percebemos que tudo que fazemos revela um pouco de nossos anseios mais profundos. O desejo de um amor sem limites; da paz que apaziguará não só as nações beligerantes, mas também os corações amargurados; da ternura que não só sanará nossas feridas, mas também trará a justiça para os excluídos e os pobres da terra – tudo isso está presente, ainda que desfigurado, nesse mês de dezembro.

O resgate desse tempo passa menos pela censura de seus desvios que pela percepção de toda a profundidade e riqueza humana que se esconde em seus símbolos, mesmo que oscilem da mais sublime espiritualidade ao mais reles mercantilismo.

Papai Noel não é só a degradação consumista do espírito natalino. Ele é a confirmação de que nossa cultura, por mais mercantilista e interesseira que seja, não consegue apagar em nosso coração o desejo de uma gratuidade e de uma bondade sem limites. A mentalidade do mundo diz que todos queremos ser sobrinhos (e herdeiros) do Tio Patinhas. Mas, no fundo, sabemos que só seremos felizes sendo filhos de um Papai Noel que sempre nos dê a alegria e a liberdade dos que vivem para amar.

A força do cristianismo não está em condenar o mundo, mas em mostrar sua verdade. Cristo não é aquele que condenou Mateus, Zaqueu, a samaritana, Madalena ou mesmo Pedro, mas sim aquele que lhes mostrou a existência de um Amor ansioso por responder ao drama humano.
O Advento e o Natal são o tempo de descobrir e testemunhar a verdade que se esconde por traz de nosso desejo de alegria, de paz e de festa. O mal não está em acreditar em Papai Noel, mas em pensar nele como a fantasia de uma noite de ilusão, e não como símbolo de uma realidade que nos acompanha todos os dias do ano.
Francisco Borba Ribeiro Neto,
coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. 

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