A palavra hebraica, que traduzimos por “coração” (leb ou lebàb) aparece-nos 860 vezes no Antigo Testamento. Se lhe juntarmos a palavra grega “kardía” no Novo Testamento, chegaríamos a um milhar de ocorrências deste conceito na Bíblia. Para nós, ocidentais, o termo «coração»
evoca sobretudo a vida afetiva. Um coração pode estar enamorado, pode
também ser sensível, generoso, caritativo. Um homem pode ter um coração
de ouro ou um coração de pedra. Pode não ter coração ou pode acontecer
de este não lhe caber no peito. Para a Bíblia, ao contrário, o coração é
uma realidade mais ampla, que inclui todas as formas da vida
intelectiva, todo o mundo dos afetos e emoções, assim como a esfera do
inconsciente, em que fundem as suas raízes todas as manifestações do
espírito humano”.
O coração, na Bíblia, é a sede da pessoa, o seu centro vital e pessoal,
donde brotam os pensamentos, os sentimentos e as decisões. Por isso, se
diz na Escritura: «O coração do homem decide os seus caminhos»
(Pr.16,9). O coração humano, capaz do melhor e do pior, é expressão da
determinação e entrega consciente da vontade e é uma graça ter um
coração aberto ao bem e não obstinado em tomar decisões perversas.
Chega-se mesmo a prometer «um coração novo» (Ez.11,19), capaz de amar a
Deus, com todo o coração e sem reticências. Isso não quer dizer que a
Bíblia desconheça o «coração» do ponto de vista afetivo, “que estremece como estremecem as árvores do bosque pelo vento” (Is.7,2), de modo que o dia das núpcias se traduz como «o dia da alegria do coração» (Ct.4,9).
Neste sentido, Deus também tem «coração»! No Antigo
Testamento, fala-se 26 vezes do coração de Deus, considerado como o
órgão da sua vontade! Também o coração de Deus pensa e deseja como o da
sua criatura, experimenta os mesmos sentimentos e paixões, como
escutávamos no profeta Oséias. Além disso, há um trecho do AT em que o
tema do coração de Deus, se encontra expresso de modo absolutamente
claro: é no capítulo 11 do livro do profeta Oséias, onde os primeiros
versículos descrevem a dimensão do amor com que o Senhor se dirigiu a
Israel, na aurora da sua história: "Quando Israel ainda era menino, Eu o amei, e do Egito chamei o meu filho" (v. 1). Na verdade, à incansável predileção divina, Israel responde com indiferença e até com ingratidão. "Quanto mais os chamava – o Senhor é obrigado a constatar – mais eles se afastavam de mim" (v. 2). Todavia, Ele nunca abandona Israel nas mãos dos inimigos, pois "o meu coração – observa o Criador – do universo comove-se dentro de mim, comove-se a minha compaixão"
O coração de Deus comove-se! Na solenidade do
Sacratíssimo Coração de Jesus, a Igreja oferece à nossa contemplação
este mistério, o mistério do coração de um Deus que se comove e derrama
todo o seu amor sobre a humanidade. Um amor misterioso, que nos textos
do Novo Testamento nos é revelado como paixão incomensurável pelo homem.
Ele não se rende perante a ingratidão, e nem sequer diante da rejeição
do povo que Ele escolheu para si; pelo contrário, com misericórdia
infinita, envia ao mundo o seu Filho, o Unigênito, para que assuma sobre
si o destino do amor aniquilado a fim de que, derrotando o poder do mal
e da morte, possa restituir dignidade de filhos aos seres humanos, que o
pecado tornou escravos.
Então, o seu Coração divino chama o nosso coração; convida-nos a sair
de nós mesmos, a abandonar as nossas seguranças humanas para confiar
nele e, seguindo o seu exemplo, a fazer de nós mesmos um dom de amor sem
reservas. Sim, o seu Coração está aberto por nós e aos nossos olhos; e
deste modo está aberto o Coração do próprio Deus! O mundo de hoje, com as suas lacerações sempre mais dolorosas e
preocupantes, precisa do Deus, que é Amor, e anunciá-lo é tarefa da
Igreja. A Igreja, para poder executar esta tarefa, deve permanecer
indissoluvelmente abraçada a Cristo e não deixar-se nunca separar dele:
necessita de Santos que morem “no coração de Jesus” e sejam testemunhas felizes do Amor Trinitário de Deus.
Pe. Amaro Gonçalo
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